Total de visualizações de página

sexta-feira, 17 de maio de 2013

PARA SEU PRÓPRIO BEM, de Bárbara Ehrenreich e Deirdre English

Foi um professor de História da Arte quem primeiro me fez pensar que vivemos uma época onde pessoas que ainda vivem na Idade da Pedra (referindo-se aos miséráveis "sem teto" nos grandes centros urbanos, ou os refugiados das guerras tribais africanas, entre outros) convivem com outros que parecem viver em filmes de ficção científica (referindo-se aos pesquisadores de tecnologia de ponta, astronautas e milionários, entre outros).

Lembrei disto, lendo PARA SEU PRÓPRIO BEM - 150 anos de conselhos de especialistas para mulheres, de Bárbara Ehrenreich e Deirdre English (leio em português, na tradução de Beatriz Horta e Neuza Campelo, na edição de 2003 da Editora Rosa dos Tempos).

Comecei este livro, sequência imediata do EFEITO LÚCIFER (que já comentei em outro post). Mais um livro ótimo, que comprei por acaso em um sebo que também vende livros novos em rescaldo de edições antigas (o original deste livro é de 1978, e a edição que leio tem dez anos, é de 2003.)

Chamou a atenção o título curioso, e a capa vazada onde se vê parte da reprodução de uma tela renascentista impressa por dentro. A orelha informava que o livro abordaria "... as síndromes da feminilidade, os saberes da economia doméstica capturados pela publicidade, a tragédia das donas de casa neuróticas e a herança das mães superprotetoras...", pela análise múltipla dos chamados especialistas, fossem estes "... ginecologistas, obstetras, psicanalistas, conselheiros matrimoniais, pedagogos, assistentes sociais...", em extenso período histórico, desde "... a época das curandeiras aos dilemas da mãe-esposa-trabalhadora".

Não poderia ter feito escolha melhor!
EFEITO LÚCIFER analisa a (grande, insidiosa) influência da sociedade, na (nossa) escolha individual, a partir do experimento da prisão de Stanford, e mais duas décadas de observação e pesquisa a partir dos genocídios, prisões militares e hospícios.
PARA SEU PRÓPRIO BEM tem o mesmo foco de análise, só que voltado às políticas públicas que afetaram a realidade da mulher, da família e da criança, desde a Idade Média e a "caça às bruxas" até a "Questão da Mulher" com ênfase ao início e primeira metade do século XX.

Ainda estou absorvendo a quantidade de "verdades sociais" que aprendi como expressão de bom senso, e agora descubro que eram apenas políticas públicas antigas cuja história se perdeu.

Tipo...
Claro que eu sabia que um número expressivo das "bruxas" condenadas pela Santa Inquisição, eram curandeiras e parteiras de suas aldeias de origem. O que eu não sabia, era que os estudantes de medicina da época passavam seus anos de academia decorando teologia cristã, Platão e Aristóteles, e assim aprendendo a desprezar o corpo como algo servil e aviltante, enquanto que apenas em um único livro sobrevivente de alguma data entre 1098 a 1178, propriedade de uma herborista (leia-se: bruxa) da mesma época, lista 213 variedades de plantas, 55 árvores e dezenas de derivados minerais e animais e suas propriedades curativas, dos quais, evidentemente, os médicos nada sabiam (vide fls.49).
História passada? Pode ser, mas nunca mais estarei isenta de opinião, quando ouvir alguma outra propaganda centralizadora contra a automedicação, difamando a homeopatia, ou o uso das ervas medicinais...

Já a "Questão da Mulher", conhecia um pouco por estudar a ascenção das psiquiatria à posição de ciência através das teses de Freud, e outro tanto pelo estudo social da história da arte sobre as questões de gênero na estética do século XIX e XX. Mas não tinha quase nenhuma informação sobre as políticas públicas que abordaram o assunto, na época dos fatos.

Não sabia, por exemplo, que as mulheres frágeis, doentias ou enlouquecidas que figuravam nos romances e óperas da época, variações da bela Dama das Camélias, ou de sua versão operística, a Violetta da Traviatta, transcenderam as páginas dos livros e das partituras e se tornaram um fato social mensurável. Quem diria que, em 1902, 42% das mulheres internadas nos hospícios tinham bom nível sócio-econômico e educação formal (contra 16% dos homens, vide fls. 142)?
E segue...
Também não sabia que "economia doméstica" pretendeu ser uma "ciência" desenvolvida para estudo e formação de "donas de casa científicas". Idéia esta com retumbante repercussão em seu início, e depois, um fracasso em relação aos seus objetivos (as donas de casa não se tornaram "cientistas do lar", e sim consumidoras do crescente número de produtos fabricados especialmente para elas, de eletrodomésticos a artigos de limpeza), mas um sucesso absoluto de marketing, ao ponto de influenciar a economia americana e se constituir um dos fatores que tornou tal poderio econômico parcialmente dependente do consumo individual (vide Capítulo 07 e fls 230).

Mas este é um livro difícil de resumir...
O impressionante desta leitura, além da quantidade imensa de dados/informações e bibliografia, é a clareza com que as autoras explicam a cronologia dos fatos, permitindo compreender como e porque conhecimentos importantes e até imprescindíveis ao cotidiano simplesmente desapareceram da memória social; ou como fatos que, isolados, são tão absurdos que beiram as raias do ridículo, de fato sobrevivem até hoje mascarados de bom senso...







domingo, 12 de maio de 2013

A FAZENDA BLACKWOOD, de Anne Rice

Ontem reli (pela terceira vez? pela quarta vez?) a história dA FAZENDA BLACKWOOD, de Anne Rice (leio em português, tradução de Alyda Christina Sauer, na edição de 2004 da Editora Rocco).

Sei que as histórias mais famosas da Anne Rice são as Crônicas Vampirescas, histórias do Vampiro Lestat, provavelmente alavancadas pelo (excelente) filme de 1994, homônimo do livro  ENTREVISTA COM O VAMPIRO, que reuniu sob direção de Neil Jordan um elenco estelar, comTom Cruise, Brad Pitt, Antonio Banderas, Christian Slater, Kirsten Dunst e Stephen Rea, entre outros.

Embora tenha assistido o filme e achado ótimo... a verdade é que entre livros e filmes, gosto mais dos primeiros.

Talvez por isso que, inobstante todo o charme de Lestat, tornei-me leitora fiel de Anne Rice depois de ler A HORA DAS BRUXAS, a densa saga das treze bruxas assombradas pelo espírito de uma espécie humanóide quase extinta da face da terra, tão complexa e cheia de desdobramentos que jamais caberia em um único filme (uma minissérie longa, talvez).

A HORA DAS BRUXAS, traz no enredo o Talamasca, uma instituição medieval que, dizem as más línguas, herdou a fortuna dos Templários quando de seu massacre, e que se dedica desde então, através dos séculos da Idade Média e da Inquisição até a atualidade, a observar e registrar em seus arquivos secretos, episódios de paranormalidade, bruxarias e afins. Pois é o Talamasca quem registra a história das bruxas, desde o triste momento em que resgata a filha daquela primeira que invocou o espirito, pobre mulher solitária em uma aldeiazinha esquecida do mundo, e condenada à morte nas fogueiras da Santa Inquisição. A instituição e as bruxas se misturam como consequência de um amor trágico, e o destino daquelas treze mulheres passa a ser interesse do Talamasca, que mantém registro de todos os fatos que, geração a geração, permanecem em escritos enquanto esmaecem na memória da família, que a cada geração enriquece e cresce lado a lado com o destino destas mulheres torturadas.

E qual um prêmio aos leitores, uma vez contada a história das bruxas desde os primórdios (vários volumes), e a história dos vampiros desde os primórdios (mais e mais volumes), o Talamasca e seus pesquisadores, que deveriam ser cientistas isentos mas nunca conseguem se manter à distãncia, acaba por inadvertidamente reunir os personagens díspares, quando bruxas encontram vampiros, e bruxas se tornam vampiros.

A FAZENDA BLACKWOOD é o prêmio dos leitores fiéis.

A história se passa quando todos os personagens principais - Lestat, o Vampiro, e Mona, a bruxa herdeira -, já viveram suas histórias integrais e partiram descompromissados para seu destino no mundo. Desta feita, Tarquim Blackwood, herdeiro e proprietário da Fazenda Blackwood, reunirá a todos em sua propriedade, enredados em sua história.
Ele é um jovem médium, assombrado por um espírito rebelde e por uma maldição familiar que desconhece, cai nas garras de uma vampira antiga, que o transforma contra sua vontade. Desesperado para proteger a família que tanto ama, busca ajuda de Lestat, mesmo sob o risco de ser fulminado em fogo pelo mal humorado vampiro antigo. Lestat decide procurar Merrick, a bruxa vampira e médium, única capaz de lidar com o problema. E em sua jornada em busca de ajuda, Tarquim conhece e se apaixona perdidamente por Mona, a bruxa herdeira da família Mayfair, que reencontro enferma e à beira da morte, tratada pela monossilábica Rowan, a bruxa médica, genial e trágica.

De fato, é possível ler A FAZENDA BLACKWOOD sem conhecer as histórias precedentes. O livro é uma história inteira, com começo, meio e fim, e prescinde conhecer os volumes precedentes. Porém, seria como ler apenas metade da história, sem saber direito como cada personagem chegou onde chegou... Nada das delícias de reencontrar personagens conhecidos, como quem reencontra amigos de longa data, curioso em saber o quê aconteceu depois que as velhas batalhas foram vencidas.







quinta-feira, 9 de maio de 2013

A PROSTITUTA ERRANTE, de Iny Lorentz

Este é um livro para ler de um fôlego só, para lavar a alma das injustiças e ainda viajar pelos vilarejos medievais na Alemanha do 1.400 d.C.

A PROSTITUTA ERRANTE inicia com uma jovem ingênua e romântica, filha de um burguês rico, e um criminoso sem escrúpulos mas detentor de um título de nobreza. Seduzido pela ambição, o pai concorda com a proposta do nobre, prometendo-lhe a filha em casamento nas condições estabelecidas em um pacto antenupcial. Todos os sonhos acabam tragédia já nas primeiras páginas: o pacto era mais uma falcatrua, a jovem é sequestrada, violada, publicamente humilhada, torturada e expulsa da cidade quase à morte, o criminoso assume as propriedades da família, e o pai enganado é dado como desaparecido, quiçá fugitivo.

Resgatada e salva por uma prostituta errante, não há outro caminho a seguir para a jovem, senão também tornar-se prostituta, assim como sua protetora. A contragosto, a jovem só aceita seu destino, quando o vincula a um objetivo final, a vingança contra o homem que tramou sua desgraça. Entretanto, um abismo agora se forma entre eles, pois enquanto o nobre criminoso torna-se cada vez mais rico e poderoso com o passar dos anos, a jovem não é mais do quê uma anônima prostituta, buscando o mais humilhante dos trabalhos nas periferias das feiras públicas e das festas populares.

O livro se torna mais interessante, porque mais tempo trata dos costumes da Idade Média pela visão do povo comum, com seus tipos excêntricos e seus costumes esquecidos. Isso torna o romance, um texto diferente daqueles fundados em fatos históricos contados a partir da biografia dos poderosos.

E embora a história seja como um conto de fadas com final feliz, a trama é verossímel. Mostra o amor que surge tão mais simples e direto, quando a vida já foi destroçada pelo destino e há pouco a perder e muito a construir. Também constrói a idéia de que a ambição desenfreada jamais se satisfaz com um único crime, e por isso lutar pelo direito de outras vítimas é opção plausível para obter a própria justiça.