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quinta-feira, 25 de abril de 2013

O EFEITO LÚCIFER, como pessoas boas se tornam más, de PHILIP ZIMBARDO

Carrego prá cima e prá baixo, um livro que mais parece um tijolo (mas que é inacreditavelmente mais leve do que muitos dos livros, menores, com que já andei por aí).


Título chamativo:  O EFEITO LÚCIFER, como pessoas boas se tornam más, de PHILIP ZIMBARDO (na tradução para o português de Tiago Novaes Lima [será que é meu primo?], na 1ª edição de 2012 da Editora Record... mas anoto que o original é de 2007).

Capa chamativa: uma gravura de Escher sobre o famoso estudo da Gestalt figura/fundo, desenhos de anjos em branco e cinza, perfeitamente ajustados com desenhos de demônios em preto e cinza. Escher está na moda, é a coqueluche da maior exposição no maior museu da cidade, o MON.




O livro tem mais de 950 páginas, em tema muito interessante, quase polêmico.
Lembra daquela experiência de laboratório de psicologia, em 1971, o famoso experimento do "presídio de Stanford"?
POISINTÃO, é sobre isso que trata o livro!


Zimbardo era o professor/pesquisador responsável pelo curso - e experimento - de férias, na Universidade de Stanford, onde um grupo de estudantes universitários participou como voluntários, sorteou quem seria "prisioneiro" e quem seria "guarda", para uma experiência que deveria durar duas semanas, mas que só persistiu por metade deste tempo, ante o grau de alterações de personalidade, passividade e agressividade a que os voluntários chegaram em apenas uma semana de experimento.

Esse experimento deu aprofundamento à discussão científica sobre a influência do ambiente, do "sistema político", da autoridade e do local, para determinar o comportamento e reações individuais.  Desde as primeiras notícias, ainda em 1971, foi sempre referência no tema.
Mas o livro foi escrito bem mais tarde, em 2007, depois que o autor já havia maturado não só as análises iniciais feitas subsequente à experiência, mas também novas hipóteses, e um outro olhar a acontecimentos violentos e aparentemente inexplicáveis, nas prisões americanas ou fora delas.

O livro é bem escrito, e o tema é instigante.
Tempos atrás, alguém me disse que estamos em tempos de "carma coletivo".
Também tenho essa sensação: de que vivemos em uma época de isolamento, mas onde - contraditoriamente -, as decisões são tomadas por coletividades, estatísticas ou maiorias.
Fico perdida, vivendo um mundo que não compreendo por inteiro.
O EFEITO LÚCIFER, ao que parece, elucida parte daquilo que eu percebo em meu cotidiano, mas ainda não sei nominar, tampouco mensurar sua força.


Estou chegando na página 300.
Ou seja: já li a introdução, e todo o relato da experiência.
Agora, estou passando pelos parâmetros da pesquisa como foi proposta à época, e de seus resultados.





Mas leio, e fico com a impressão de que não havia qualquer parâmetro de pesquisa, à época dos fatos, suficiente para esclarecer ou abarcar a magnitude da experiência ou de seus resultados.

Leio, torcendo para que nas 500 páginas seguintes, o autor/pesquisador chegue à esta mesma conclusão, e analise esta (e outras) experiência, por parâmetros e hipóteses que realmente expliquem alguma coisa... ou, como diz o subtítulo do livro, os mecanismos sociais sistêmicos que podem induzir uma pessoa "boa", a se tornar "má"....

 ... e então, continuo a ler. Quando terminar, prometo que volto aqui e concluo este post, com o que mais havia no livro e a que conclusões cheguei.

Porque, agora, minha expectativa está alimentada pelas promessas dos capítulos iniciais: de que o livro analisará as questões até fornecer indicativos para como eu/leitora possa também perceber, e quando necessário resistir, à invasão de pensamento e/ou coerção das influências externas.



(...)



Terminei a leitura.
O livro é sensacional!


Para mim, que sempre acreditei que todo ser humano tem tanto a bondade como a maldade em potencial dentro de si, o livro é como um "mapa" que explica as forças que digladiam dentro de cada um de nós.

Penso que qualquer pessoa que leia O EFEITO LÚCIFER, perde a ilusão de que se é dono absoluto do próprio destino, ou de que é capaz de raciocinar e agir consciente em qualquer situação. Zimbardo consegue o perfeito equilíbrio para ponderar quando e onde a influência externa é mais poderosa do que nossa personalidade, e como inconscientemente respondemos às manipulações do meio sócio/econômico em que estamos inseridos.

O conceito que Zimbardo chama de "presente expandido", por si só vale a leitura do livro inteiro.
Não que seja um conceito propriamente novo, consegui relacioná-lo até com as idéias de Mc Luhann sobre a "Aldeia Global".
A diferença, talvez, seja a clareza com que expõe tal conceito a partir da experiência do presídio, e como analisa as alterações na percepção da realidade, a exacerbação das sensações (em detrimento do raciocínio), inclusa a sensação de impunidade.

A promessa de que Zimbardo fornecerá indicativos para que o leitor possa perceber como (ou quando) é necessário resistir à invasão das influências externas, talvez seja a parte mais frustrante da leitura. O capítulo específico do assunto remete às pesquisas da Psicologia Positiva. Sem críticas a esta linha de pesquisa, que na teoria parece promissora e importante. Porém, é fato que os conceitos da Psicologia Positiva caem muito fácil no linguajar e nas frases feitas das autoajudas motivacionais, e na minha humilde opinião, nem mesmo Zimbardo conseguiu evitar o fato.

Neste ponto, mais interessantes são as reflexões do autor sobre quem poderíamos considerar "heróis modernos", e que esbarram na constatação (óbvia?) de que o heroísmo é uma atribuição de terceiros, uma qualidade que nos é dada (ou não) pelos observadores, mas que o indivíduo não tem como atribuir a si mesmo. Deste tema, prossegue considerando sobre a "banalização do bem" e a "banalização do mal", e da influência das mídias na perpetuação do fenômeno.

Definitivamente, O EFEITO LÚCIFER é um livro que muda a percepção do mundo.







AS MELHORES HISTÓRIAS DA MITOLOGIA CELTA, de A.S. Franchine.

Na minha página do face, todo dia tem uma postagem diferente, de um mesmo grupo de relacionamentos ("skoob"), com a mesma pergunta: QUE LIVRO VC ESTÁ LENDO?

Pois esta semana, a repetição soa como um mantra, porque parece que em cada lugar que entrei, achei um livro muito interessante... e os acumulei! Não sei como vou dar conta de tudo isso, mais a aula de pós graduação no fim de semana, mais uma peça de argila que comecei e agora mais me esforço em não deixar secar do quê produzir, e sim, a vida segue normal com todos os seus compromissos rotineiros.

Então, para o blog, essa semana será a postagens dos livros "LEITURA EM ANDAMENTO".
Melhor do que as duas outras opções que eu tinha... não escrever nada, ou fuçar livros antigos guardados na estante, para escrever sobre algo que não está prendendo minha atenção no momento.

Vamulá!

Semana passada, tinha um único livro novo prá ler: AS MELHORES HISTÓRIAS DA MITOLOGIA CELTA, de A.S. Franchine.



Não é o "melhor" livro que eu já li, prá ser sincera. O texto está mais para um registro sintético das mais importantes histórias celtas - suas batalhas, heróis e deuses -, do quê para uma narrativa empolgante e envolvente.
Li toda a primeira parte (são duas): batalhas & mais batalhas, nomes & mais nomes.  Fiquei fascinada em encontrar os nomes de vários personagens femininos de Anne Rice, histórias que me fascinaram nos últimos anos, e que não sabia pertencer à mitologia celta: Deirdre, Morrigan, Rowan, e seus significados. Foi como fazer uma segunda leitura, encontrar novos significados, a histórias antigas que já li e reli tantas vezes, que tornaram-se parte de mim.
Cheguei na segunda parte, e também naquela fase da leitura em que começo a confundir deuses com heróis e inverter as dinastias.
E mais triste: não consegui, de forma simples e linear, fazer a contraposição entre a mitologia celta e sua influência cristã, coisas como visualizar sequência/relação entre o caldeirão dos druídas celtas e o cálice/graal da mitologia cristã, como prometia o prólogo do livro.

E me senti um tantinho boba por isso...

E quando um livro me faz de boba, o quê acontece?
(Eu volto na livraria! Aiaiai)
Foi o que fiz.
(E compro mais livros, aiaiai!)
E achei mais um monte de títulos legais!
(E agora, prá ler tudo?)


Pois é.
Nem terminei as Histórias Celtas, mas juntei outro livro legal.
SEGUE PRÓXIMO POST DAS LEITURAS EM ANDAMENTO... O EFEITO LÚCIFER.





domingo, 21 de abril de 2013

SOLO SAGRADO, de Bárbara Wood

Alguns livros conseguem provocar em mim, uma espécie de "deja vu", tão vívida me parece a história que me sinto capaz de catapultar para uma outra dimensão. Não sei dizer se é a forma de narrativa, se é a história, se são os personagens, ou se toca alguma sensibilidade oculta, talvez uma memória de minha trisatatatataravó oculta em um gene adormecido.

SOLO SAGRADO, de Bárbara Wood, foi um destes livros (li em português, tradução de Maria dos Anjos Santos Rouch, edição de 2002 da Editora Record). Eu o li em 2004, e algum tempo depois iria refazer todo um texto anterior, para que se transformasse no Diário de Lana, tentando passar para as palavras as sensações que me trouxeram esse livro.

SOLO SAGRADO é a história de duas mulheres. A primeira protagonista, contemporânea, é uma arqueóloga que encontra uma ruína e, junto, uma urna funerária e artefatos. A segunda mulher é a índia que viveu séculos antes, cujos ossos ao final seriam enterrados dentro daquela mesma urna.

A magia dos detalhes desta história talvez devam crédito à extensa pesquisa da autora sobre os costumes e a mística dos indios americanos nativos. Desta vez, os agradecimentos da autora estão no final do texto. Ali, fico sabendo que para escrever o livro, Bárbara passeou pelo Cânion Taquiz - que é mal assombrado, assistiu a uma cerimônia indígena e aprendeu a dança da pele de gamo, e estudos as culturas dos povos pala, pechanga, morongo e chumashes e das mssões indígens de Santa Inês.

Com esta base, SOLO SAGRADO cria a fictícia história da fundação de uma tribo indígena californiana. Tudo inicia quando uma jovem índia decide salvar um menino que havia sido marcado para morrer pelo xamã da aldeia. Desafiado, o curandeiro joga sobre ela e seus descendentes uma maldição, e ela é expulsa da tribo para morrer sozinha na mata. Porém, mesmo rejeitada, não se permitiu morrer como lhe determinavam as autoridades da tribo.

As descrições de paisagens são maravilhosas, as reflexões das personagens são interessantes. Mas o fio condutor do romance, é a reflexão de que nem a ciência, nem a tecnologia e nem as mudanças de costume, são capazes de mudar aquilo que somos como povo e como indivíduo. O amor, o poder, a maldade, o medo, a sobrevivência, a paixão e a necessidade de deixar sua marca no mundo, nos acompanham pelos séculos afora. O mundo pode mudar, mas nós continuamos sendo o que somos: humanos.


HOJE EU SOU ALICE, de Alice Jamielson

Toda vez que vou me referir a este livro, procuro de novo a orelha e leio mais uma vez, só para certificar: é mesmo um relato autobiográfico.

Até ler HOJE EU SOU ALICE, NOVE PERSONALIDADES, UMA MENTE TORTURADA, de Alice Jamielson com Clifford Thurlow, só tinha visto o transtorno de múltipla personalidade, em filminho americano em série de TV (leio em português na tradução de Andréa Gottlieb de Castro Neves, 1ª edição brasileira da Editora Larousse, 2010). Ou seja: sempre era uma história ficcional, sempre era uma atriz, as personalidades como personagens.

Acrescente a isso que o texto "parece"um romance. De fato, é um depoimento, todo narrado na primeira pessoa. Uma história que se desdobra aos poucos, adentrando as falhas de memória, com um efeito de suspense.

O texto inicia com um prólogo, quando Alice Jamielson nos conta que foi diagnosticada com transtorno de personalidade múltipla, também conhecido como transtorno dissociativo de personalidade, em abril de 1993, quando tinha 24 anos. Ela foi vítima de abuso sexual na infância, e com o trauma desenvolveu nove personalidades distintas, que se altenaram no controle de sua vida. Conta ainda que aceitou escrever sua história, tentando ajudar as milhares de crianças que como ela, vítimas de abuso sexual, precisam lidar diariamente com o sentimento de vergonha que carregarão pela vida afora, e, como diz, "(...) o medo de que a porta sea aberta e o homem - quase sempre é um homem -, entre em seu quarto. (...)"

Mas todos os avisos, nas orelhas e no prólogo do livro, não são suficientes para que se perca a sensação da leitura de um livro de suspense.
O começo, inclusive, lembra livros de Stephen King, aqueles que começam com uma vida normal e tão absolutamente corriqueira, que até parece que somos nós mesmos em nosso cotidiano frustrado ou entediante, e aos poucos, quase sutil, chega a presença sinistra, as situações atemorizantes, o perigo, e então o verdadeiro terror se instala. Pois é assim que começa HOJE SOU ALICE, descrevendo a "(...) típica família dos programas de rádio: conservadores, observadores das boas maneiras, educados, prósperos, um pouco antiquados, mas sempre conservando a aparência de simpáticos e gentis (...) numa área abastada das Midlands, onde os vizinhos davam bom dia, as crianças eram bem educadas e todos mantinham seus cães sob controle.", e tão leve como uma brisa, a paisagem idílica desvanece, um tantinho por vez, a normalidade escorrendo pelos dedos como água de torneira, até a internação, o hospício e o confronto com a realidade cruel.

Mas aqui em casa, o livro também teve sua história pitoresca. Depois que eu o li, achei que minha filha (que é psicóloga, conhecia a história mas não tinha lido o livro) iria gostar.
Emprestei, e ela, sempre cheia de compromissos, acabou levando o livro na bolsa para um Congresso de Psicologia que ia assistir naquela semana.Disse, depois, que as palestras daquela manhã estavam chatas. Ou será o livro que era muito interessante? O que sei é que, escondidinha no meio de tanta gente na platéia, resolveu dar uma palhinha, ler "só um pouquinho"... Logo o palestrante não era mais do que um som ao fundo, tão centrada na história que nem sabia mais o que estava sendo dito, o tempo passando. Até que todos riram, e quando levantou a cabeça para ver qual a piada descobriu-se o centro das atenções, tanta concentração era a atração do momento. Titubeando, no meio dos muitos colegas psicólogos, o jeito foi sair com a desculpa mais velha da história da psicologia: "... culpa da minha mãe! Foi ela quem emprestou o livro."




quarta-feira, 17 de abril de 2013

O TEMPO ENTRE COSTURAS, de Maria Dueñas

Foram poucos os romances que li, ambientados na II Guerra Mundial. Para O TEMPO ENTRE COSTURAS, de Maria Dueñas, abri uma exceção (leio em português, na tradução de Sandra Martha Dolinskym 6ª reimpressão da Editora Planeta em 2013).

Já tinha visto o livro, quando era lançamento. Um texto longo, que num primeiro olhar, optei por não escolher. Mas semana passada, lá estava eu de volta à livraria, em busca de algo à altura do meu mantra de consumo, uma história "tão fascinante que não pudesse viver mais um dia se não começasse a ler imediatamente". Olhei os lançamentos, mas nada empolgou. E tanto zanzei, que lá veio um vendedor tão solícito, que não me surpreenderia se estivesse começando no emprego. Achei graça em seu esforço (não solicitado, aliás...) para entender o que eu procurava. Acho que resolvi testá-lo, já que me seguia pela loja como fosse eu a única cliente por ali (e não era!). Fui fazendo vínculos, comentários, olhando títulos que já li, falando do que gostei e o que não interessava, e até quais autores espero lançamento de novos títulos. Este último, quando passei por Zafón (sim, já li todos os que tinham à venda ali). Então, o rapaz correu atrás dos livros de Maria Dueñas, porque a prosa desta autora é constantemente comparada à de Zafón. E como desta autora eu ainda não tinha lido nada, recomendou o livro primeiro, O TEMPO ENTRE COSTURAS, considerado sua obra prima, pelo menos até agora. Serei sincera: era visível no garoto, o interesse em conhecer seu trabalho, fossem os livros que vendia ou os interesses das pessoas que atendia. Então abri a segunda exceção, e aceitei a sugestão, apesar que a conjugação capa + orelha ainda não houvessem me entusiasmado para o livro que, sozinha, talvez não tivesse comprado.

Mas foi uma boa sugestão!

O romance conta a história de uma fictícia costureira espanhola, no período da guerra civil espanhola e subsequente II Guerra Mundial.
Porém, surpreendentemente, é o amor por um estelionatário sensual que faz essa jovem talentosa e humilde, largar Madri, mãe, amigos e conhecidos, e seguir em viagem romântica para a África, mais precisamente para o Protetorado Espanhol no Marrocos, em um sonho de fadas que termina abruptamente com a fuga do amante, dívidas enormes que ela nem sabia que existiam e um delegado pronto a jogá-la na prisão. E são as conturbações da grande guerra que, ao final, permitem que a moça permaneça solta e recomece sua vida, ainda que de forma limitada e vigiada, enquanto o mundo convulsiona com problemas maiores e mais complexos.

O ponto de vista de Maria Dueñas é muito interessante, e foca como a guerra não é igual para todos, tem interesses conflitantes e muitas facetas. O TEMPO ENTRE COSTURAS transita elegantemente pelas festas e segredos dos poderosos, pelas mazelas daqueles que precisam simplesmente sobreviver, pelo clamor e sofrimento das vítimas da guerra. Começa com uma menina que aprende o ofício como assistente de costura no atelier da própria mãe, termina como uma espiã de disfarce perfeito, capaz de obter as mais privilegiadas informações.

O gostoso do livro, é que a personagem é uma pessoa relativamente simples (alguém como eu, ou você...) que, de extraordinário, só tem o seu talento de costureira. Isso torna a história interessante e curiosa, pois a personagem não tem um objetivo preciso, algum tipo de "meta" que pretendesse atingir, mas é uma daquelas pessoas que pequenos gestos e pequenas decisões, repercutem de forma inesperada e enredam situações inusitadas. E com isso, nós/leitores nunca sabemos como a história vai continuar!

E esta história dá muitas, MUITAS voltas!
Apesar de ser um texto volumoso, não há momento de tédio na leitura. São muitas histórias intercaladas, que mantém a curiosidade acesa todo o tempo, com o quê aconteceu com esta ou aquela pessoa. Houve momentos em que me perdi nos nomes dos personagens (alguns históricos, outros ficcionais), precisava voltar atrás e reler alguma coisa para identificar quem era quem e fazia o quê. As personalidades históricas foram construídos a partir de fontes citadas no anexo do romance. Mas foram os personagens ficcionais de que mais gostei, Dueñas tem o dom de criar tipos exóticos e verossímeis, pessoas que eu bem gostaria de conhecer e conviver! E porque não?





O CONQUISTADOR, de Federico Andahazi

No rol das perguntas sem resposta, há algumas de que gosto muito: como seria nossa vida, se no passado os vencidos tivessem sido conquistadores, e os conquitadores fossem os vencidos? Ou ainda... Daqui a séculos, quando pouco ou nada restar da memória da civilização que vivemos hoje, como serão interpretados os cacos porventura desenterrados de nossas ruínas?

Esta foi a graça em ler O CONQUISTADOR, de Federico Andahazi (leio em português, na tradução de Antônio Fernando Borges, edição de 2007 da Editora Planeta). A história é construída sobre uma pergunta intrínseca: que civilização viveríamos hoje, se no lugar dos espanhóis/europeus a conquistar a civilização mezo-americana, tivesse sido o contrário?

O livro é relativamente curto, rápido de ler, instigante. Mas confesso: gostei mais dos dois livros anteriores do mesmo autor, O ANATOMISTA e CIDADE DOS HEREGES. Talvez porque nos primeiro livros de Andahazi que eu li, o autor conseguiu me surpreender, criou hipóteses que eu não havia pensado ainda. Comparativamente, O CONQUISTADOR é uma história linear, que se mantém inteira dentro dos limites já esboçados no título e orelha do volume.

O curioso da história, é que Andahazi a constrói tornando as duas civilizações - mezoamericana e européia -, muito parecidas em essência, embora muito diferentes na aparência. Há passagens que são engraçadas (pelo menos o foram para mim, que sempre questionei a liberdade com que certos arqueólogos e historiadores interpretam símbolos e imagens encontradas em escavações de sítios arqueológicos). Lembram aquele comentário antigo, de que não sei a fonte, sobre a identificação dos canibais brasileiros com os portugueses recém chegados, ao assistir a "primeira missa" em terra e entender que estes últimos, como ele, também "comiam a carne e bebiam o sangue" de seu deus.

Este o espírito de O CONQUISTADOR, uma histórica ficcional onde o "cristovao colombo" é um mezo americano que, na roupagem das tribos maias, enfrenta as mazelas de uma sociedade muito similar aos próprios europeus. Também este aventureiro depende das benesses de seu imperador. Também este aventureiro afronta a idéia preconcebida de que a terra é chata e termina em despenhadeiros sem fim.

A história é permeada de comparações provocativas e curiosas das duas civilizações, algumas expressas, outras subliminares. Andahazi compara o que se sabe dos rituais de sacrifício das culturas mezoaméricas, com a Santa Inquisição do Ofício Romano, interpreta pelos olhos do estrangeiro o aparente politeismo das igrejas cristãs e sua profusão de imagens de santos e mártires, perfazendo uma volta ao mundo, uma pequena nota de romantismo e uma grande epopéia, ao final destinado ao esquecimento e ao ostracismo.




domingo, 7 de abril de 2013

A CIDADE DOS HEREGES, de Federico Andahazi

No ano de 1998, o Vaticano autorizou que fossem feitas três provas de datação por carbono 14 em uma das mais famosas relíquias da Igreja Católica: o Santo Sudário.

As conclusões foram similares: para o laboratório de Oxford, a antiguidade do tecido era de 750 anos. Para o laboratório de Zurique, 675. E para o laboratório de Tuckson, 690 anos. Os resultados situam a criação do Santo Sudário entre os anos de 1260 a 1390, ou seja, exatamente o período histórico em que a Santa Sé autorizou e incentivou suas igrejas a manterem veneração de relíquias, visando o resultado financeiro das peregrinações religiosas que se popularizaram com esta prática. A orientação, previsivelmente, foi seguida pela manufatura de uma quantidade exorbitante de "relíquias", uma para cada igreja, grande ou pequena, que pretendesse aumentar seus rendimentos. Objetos que, em grande parte, tinham origem desconhecida ou infundada, quando não eram grotescas falsificações: lascas da cruz de Cristo, espinhos da coroa de Cristo, estátuas da Virgem chorando lágrimas de sangue, ossos dos santos e mártires populares e venerados.

Mas nem por isso o Santo Sudário perdeu seu glamour.
Ao contrário, continua sendo uma das relíquias religiosas de grande popularidade, e a crença em sua sagrada origem hoje divide espaço com a curiosidade de sua peculiar confecção. Pois o Santo Sudário não é uma simples pintura esmaecida pelo tempo. Então, do quê se trata, e como foi feito? O mistério prossegue, e as teorias abundam. Há quem credite que seja a primeira fotografia realizada no mundo, uma invenção de Leonardo da Vinci. Há quem defenda seja a impressão em sangue do corpo de um templário assassinado.

Este o pano de fundo com que Federico Andahazi constrói a trama de A CIDADE DOS HEREGES (leio em português, com tradução de Luis Reyes Gil, na edição de 2006 da Editora Planeta do Brasil/SP).

O que gosto nA CIDADE DOS HEREGES, é a construção dentro da moral e mentalidade da época em que se narra a história, por volta dos idos de 1.260 d.C, entre os feudos e mosteiros da Europa medieval. O livro se divide entre dois grandes temas: o amor e a ambição.

Andahazi descreve assim, o amor que se torna proibido porque confrontado com a concepção da santidade da abstinência masculina e a tentação demoníaca do desejo feminino.

A primeira parte da história é imperdível, tem como pano de fundo o controverso êxtase sagrado.  Sem pudor, o autor trata do fenômeno e de sua flagrante conotação sexual, tudo com referências e até notas de rodapé remetendo à pesquisa histórica dos diversos documentos de época (e a que temos pouco acesso...), como os testemunhos de Santa Margarite Cucherat e Santa Ângela de Fuligno. Ao mesmo tempo, recria pela ficção episódios de pedofilia e de rituais de exorcismo sobre supostas "possessões demoníacas" provocadas pela abstinência sexual , confinados nos segredos dos fictícios mosteiros, mas que também possuem precedente histórico registrados nos anais da Santa Inquisição.

Em paralelo, um ambicioso e cruel senhor feudal arquiteta produzir a mais importante relíquia do mundo, e assim construir e administrar sua própria e muito rentável igreja. Passo a passo, Andahazi constrói uma história plausível de falsificação daquele que depois viria a ser conhecido como o Santo Sudário.

Há, porém, que se dar a esta relíquia, um histórico suficiente a lhe prover credibilidade. Esta a questão com que se debate o ambicioso senhor feudal, com apaixonada veemência. E com esse argumento, Andahazi reproduz os caminhos tortuosos das interpretações das Escrituras Sagradas, em uma sociedade que despreza a vida, onde a morte é um espetáculo público de sacrifício e/ou exemplo de coerção.

Assim, na imaginação dA CIDADE DOS HEREGES, o Santo Sudário torna-se a hipótese de uma fraude, criada entre delírios de religiosidade, assassinatos, e o ideal da riqueza e reputação pública.











[OS ESCRITOS SECRETOS], de Sebastian Barry

Ainda bem que escolhi ler [OS ESCRITOS SECRETOS], de Sebastian Barry, em uma semana com pouco trabalho... porque carreguei o livro comigo durante dois dias, catando cada segundo livre para folhear mais uma página que fosse, até dentro do ônibus e do elevador! Nesta semana, nem escrever no blog, eu escrevi... mas foi por uma boa causa, juro! (Leio em português, na tradução de Catharina Epprecht, edição de 2013 da Bertrand Brasil, RJ).

O que é mais envolvente?
A prosa de Barry?
Ou a história que carrega um segredo, desvendado aos poucos?

Toda prosa divide um tanto dos fatos, outro tanto dos sentimentos.
Mas [OS ESCRITOS SECRETOS] são fatos contados pelo olhar dos sentimentos. O resultado é simplesmente sensacional.

Acredito que simplicidade seja o segredo das mais belas páginas já escritas. Neste aspecto, o livro não foge à regra. Toda a ação do livro transcorre sobre dois relatos individuais, que se intercalam.

O primeiro é escrito às escondidas por Roseanne, memórias de uma mulher que beira os cem anos de idade, e internada há décadas em um hospital psiquiátrico.
O outro, é o relato do Dr. Willian Grene, médico psiquiatra responsável pelo local, que enfrenta um dilema: o prédio onde o hospício se situa há anos será demolido, e o novo e moderno local em construção para o mesmo fim ofertará um número menor de leitos. Por isso, o psiquiatra precisa decidir quais pacientes serão liberados e devolvidos à comunidade e suas famílias, e o número menor que permanecerá interno.

O primeiro impacto do livro é a ausência de documentos referente aos motivos que levaram a idosa senhora a ser internada num hospício, onde permanece há bem mais de meio século. Este mistério é o fio condutor do livro: dentre todos os internados, quais são efetivamente portadores de doenças mentais, e quais foram internados porque rejeitados pela sociedade? Roseanne tem mesmo alguma patologia mental, ou simplesmente foi rejeitada pelas pessoas que conheceu, assim como os ex-combatentes de guerra que, não conseguindo se readaptar à sociedade, acabaram instalados em uma ala masculina da mesma instituição?

Porém, a prosa de Barry filtra pela emoção.
E assim, o mistério do livro também aborda questionamentos extremamente atuais: a medicalização da psicologia, a autoridade penal dos diagnósticos psiquiátricos e, claro, a mal disfarçada intolerância que, como sociedade, mantemos em detrimento daqueles que são diferentes, ou fazem opções discordantes da maioria. Há dois anos atrás, li com atenção OS ANORMAIS (M. Foucault) para embasar minha tese de TCC. Então, tinha a perspectiva histórica deste famoso filósofo, o processo social que levou a psiquiatria a um patamar de ciência e autoridade penal para a definição e confinamento não só dos portadores de doenças mentais, mas principalmente daqueles indivíduos que, por suas idéias ou atitudes, questionem ou confrontem a moral ou costumes da comunidade em que estão inseridos. E, claro, não poderia jamais esquecer da biografia de CAMILLE CLAUDEL, porque nunca aceitei que os surrealistas franceses festejassem a loucura como um movimento de arte, enquanto perto dali minha escultora preferida amargou a condenação de uma internação compulsória, seu nome esquecido durante os trinta anos em que permaneceu internada no hospício, até sua morte.

A continuidade do relato nos faz conhecer um pouco da conturbada história da Irlanda.

Dizia minha mãe, que meu avô havia abandonado sua família irlandesa, antes de encontrar e se apaixonar por minha avó. Mas nunca fui atrás da história da família, não tenho certeza da informação, e sempre tive dificuldade em entender as peculiaridades deste país distante. Acho, inclusive, que esta foi a primeira vez que escolhi um livro porque o autor é "irlandês", narrando uma história que conta um pouco das discórdias de seu próprio país. Assim, também por este parâmetro, o livro foi interessante.

A personagem Roseanna é uma vítima, ao mesmo tempo, da intolerância religiosa e da misoginia. Sua história lembra, em alguns pontos, a biografia de DONA BEIJA DO ARAXÁ, a famosa e culta prostituta de Minas Gerais (que chegou a esta vida depois de ter sido sequestrada por um nobre quando só tinha treze anos, às custas do assassinato frio de seu pai), e que afirmava que a beleza é uma maldição.
Mas há mais um elemento nesta narrativa permeada de personagens históricos e passagens significativas da história recente da Irlanda: a profunda solidão da personagem.

E assim, mais uma vez, a história de suspense sobre uma mulher centenária mescla com um assunto extremamente atual: o isolamento da pessoa comum, os fortes vínculos de amizade jamais esquecidos, mas provenientes de episódios intensos em períodos curtos. Fala daquelas pessoas que são insubstituíveis em nossas vidas, mas que se afastaram ou morreram, e assim ficamos sós em meio de uma multidão de rostos parcialmente conhecidos, mais ou menos amigáveis, com quem temos pouco vínculo ou empatia. Uma solidão que se replica, hoje, nas redes sociais, nos meios profissionais, no consumo contínuo e fugaz.

Por fim, a história fala da memória.
De quem somos, transformados pela lembranças guardadas de uma vida.