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domingo, 31 de março de 2013

MALLEUS MALEFICARUM (Martelo das Feiticeiras), J. Sprenger

Hoje faço uma exceção. Tenho usado este blog, para comentar os livros que gostei de ler.
Mas não posso afirmar isso, sobre o MALLEUS MALEFICARUM, chamado o livro dos inquisidores, escrito em 1484 por Heirich Kramer e James Sprenger (leio na versão traduzida para o português por Paulo Fróes, sob título O MARTELO DAS FEITICEIRAS, com uma excelente introdução em estudo histórico de Rose Maria Muraro e prefácio com análise psicológica de Carlos Byungton. Emprestei o primeiro volume que comprei e li, c-l-a-r-o que não devolveram!... Quando desisti de esperar, comprei o livro outra vez, agora tenho a 20ª reedição, de 2009, da mesma Editora Rosa dos Tempos.).

Este não é um livro "para ler".
Ao contrário: é um livro "para conhecer".

MALLEUS MALEFICARUM foi o livro que mudou a história da Santa Inquisição. Redirecionou a histórica da perseguição aos hereges (iniciada na trágica história dos cátaros, assassinados em Montségur, sul da França, entre 1209/1256 d.C), que atingia nobres e usurpava fortunas, para a caça às bruxas, atingindo sobretudo mulheres simples das pequenas aldeias, servindo interesses mesquinhos e brigas entre vizinhos.

O sucesso do MALLEUS na população da época, é normalmente creditado ao fato do livro conter várias gravuras, que ilustravam o que supostamente seriam o sabá das bruxas e formas de reconhecer as pessoas, sobretudo mulheres, que teriam pactuado com o demônio. Na Europa iletrada da época, as gravuras substituíram os inelegíveis textos em latim, e se tornaram imediatamente populares. A invenção dos tipos móveis da gráfica de Guttemberg também é apontada como um dos facilitadores à popularização da obra, por propiciar a facilidade de impressão e distribuição. E assim, MALLEUS acalentou a população em séculos de histeria supersticiosa.

O livro é dividido em três partes. A primeira, dedica-se a enaltecer o demônio com poderes divinos, agora chamado Lúcifer (o que traz a luz, o Portador da Luz), e ligar suas ações com a bruxaria. A questão principal da primeira parte do livro, é discutir teosoficamente sobre a existência do próprio demônio, da permissão divina para tal, e da existência das bruxas e de seus pactos demoníacos, até declarar herética qualquer dúvida sobre a existência de ambos. A segunda parte refere-se às formas de reconhecer uma bruxa, a partir de qualquer conduta que possa ser reputada diferente, ainda que remotamente: uma briga entre vizinhos, uma doença na família, até mesmo uma vaca produzindo menos leite. A terceira parte, ardilosamente preparada nos capítulos anteriores, refere-se à toda sorte de crueldades e aberrações do julgamento e sentenças que condenavam por bruxaria.

Confesso que nunca consegui ler o livro "inteiro".
Do texto propriamente dito, interessou a construção artificiosa que Sprenger faz, para transformar mitos greco-romanos e lendas populares, no imaginário da magia demoníaca. Entre estes, a imagem de Pã, deus greco-romano da natureza e dos lugares selvagens, transformado no "diabo" com chifres e pernas de bode popularizado a partir de então (pg 83 na edição citada).

Mas porque já conhecia o livro, foi interessante assistir (acho que ano passado), a um documentário recente (na TV a cabo, mas não gravei qual o nome do programa ou canal de emissão... desculpem), das pesquisas contemporâneas sobre a criação do MALLEUS, e da possibilidade de que este livro tenha sido uma das maiores fraudes perpetradas na história cristã medieval.

Isso porque a credibilidade do MALLEUS MALEFICARUM provém de uma Bula Papal, assinada pelo Papa Inocêncio VIII, dtada de 1484, e que inicia cada impressão dos volumes deste texto da bíblia dos inquisidores. A Bula Papal outorga aos inquisidores Henry Krammer e James Sprenger, professores de teologia da Ordem dos Monges Dominicanos, a proceder aos trabalhos da Santa Inquisição em várias aldeias, províncias e dioceses citadas.

Os pequisadores modernos observaram, entretanto, que não há uma ligação expressa entre a bula papal, e o livro propriamente dito.

De fato, a Bula Papal outorga poderes a um trabalho de campo, mas não cita nem se refere à redação de um livro e/ou texto teológico. Com uma pesquisa digna de detetives, debruçados sobre documentos antigos, os estudiosos concluíram pela possibilidade real de que o MALLEUS tenha sido escrito em data posterior à bula papal, pela ausência de referências ao tratado senão três ou quatro anos mais tarde do que a data apontada no documento, 1484. Observe-se, atentando à dificuldade na transmissão de informações do período, e caso sejam corretas as conclusões da pesquisa, que o livro teria sido concluído por volta de 1487/88, sendo que o próprio Papa Inocêncio VIII faleceu alguns anos depois, em  1492.

Na hipótese das conclusões desta pesquisa estar correta, talvez o Papa Inocêncio VIII jamais tenha efetivamente autorizado, ou validado, o livro que se tornaria a bíblia dos inquisidores e uma das páginas mais tenebrosas da igreja cristã.

E caso tais pesquisas estejam corretas em suas conclusões, a dimensão da crueldade humana atinge outro aspecto.

Neste contexto, MALLEUS MALEFICARUM terá sido uma pequena fraude de seus hediondos autores, que caiu no gosto popular talvez ainda mais do quê o comércio das relíquias e peregrinações, ou a compra de indulgências. Lembremos que a Santa Inquisição, nesta fase da caça às bruxas, tem uma reconhecida e declarada participação civil e popular ativa. A denúncia de bruxaria podia ser feita por qualquer pessoa, e ainda protegida pelo anonimato. E após o julgamento, em sendo a pessoa condenada por bruxaria, era o poder civil local quem fornecia as condições para a execução final, ou seja, quem promovia o espetáculo da morte pela fogueira, em praça pública, na presença de toda a populaçãodo local e redondezas.

Com isso, há duas formas de entender o MALLEUS MALEFICARUM, a caça às bruxas promovida pela Santa Inquisição, e seu impacto na sociedade cristã medieval.

Uma, é justificando a tragédia por um único bode espiatório, e culpabilizando o Papa Inocêncio VIII e a igreja romana, por toda a histeria coletiva, mortes cruéis e superstições que marcaram esta Idade das Trevas.

Mas há outra, aquela que nos faz pensar nos imperadores romanos acalmando seu povo com pão e circo (e o circo, eram lutas até a morte entre gladiadores, escravos oferecidos às feras e outros espetáculos de sangue), ou nos extermínios dos judeus e minorias nos campos de concentração da II Grande Guerra, e são estes apenas dois entre zilhões de exemplos possíveis. Ou seja, a outra interpretação, a que nos faz pensar se criminosos hediondos algum dia alçaram poder e promoveram tragédias, tão somente porque sua intolerância pessoal correspondeu e fez eco à intolerância da maioria da população a que se dirigiram, cada qual em sua época.


 




 
 

 
 





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