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quinta-feira, 28 de março de 2013

BERTHA, SOPHIA E RACHEL, de Isabel Vincent

O tráfico de mulheres é assunto discutido no momento, graças a uma novela em horário nobre, que já deve estar quase no final. Esta novela, não acompanhei, mas fala do tráfico de brasileiras para a Europa. Porém, a questão é antiga. Acredito, exista em todo lugar.

E o comércio começou na rota inversa, ou pelo menos foi esta a conclusão que tirei, depois de ler BERTHA, SOPHIA E RACHEL, A SOCIEDADE DA VERDADE E O TRÁFICO DE POLACAS NAS AMÉRICAS, de Isabel Vincent (leio com tradução de Alexandre Martins, na edição de 2006 da Editora Relume Dumará).

É um livro para começar a ler, já nos agradecimentos.
Vale dizer que nunca pulo os agradecimentos de um livro,  já que muitos deles contém informações curiosas sobre o processo de criação de um livro. Lembro de um, em que os agradecimentos estenderam-se ao senhorio, que permitiu que o escritor morasse com os aluguéis atrasados, aguardando a entrega do texto à editora para que tivesse dinheiro suficiente para quitar o débito. Realmente importante, pois lembra quantas vezes os gênios das letras se escondem por trás de rostos humildes e cheios de dificuldades financeiras... Esposas que agradecem a paciência dos maridos, não só relegados a segundo plano, como fazendo às vezes do trabalho doméstico, enquanto o livro é produzido. Sei bem o que é isso: escrever nos tira da realidade, e como é difícil voltar do mundo da fantasia e das letras, para assumir novamente um cotidiano rotineiro!

Em BERTHA, os agradecimentos informam a longa jornada da escritora, cinco anos de pesquisas onde a maior dificuldade foi "... convencer as pessoas a falar abertamente sobre as polacas, as prostitutas da Europa Oriental". E acredite: o tráfico de mulheres européias, para prostituição na Argentina e Brasil, foi pesquisado por uma premiada escritora canadense (!), e pelo que consegui deduzir cruzando informações das orelhas, agradecimentos e prefácios, é que sua pesquisa inicia na história judaica (foi vencedora do Premio Canadian Jewish Book Awards en 2005, como melhor livro de história judaica). Um verdadeiro trabalho internacional: uma escritora canadense, pesquisando a história de mulheres polonesas, que viveram seus dramas e tragédias na América do Sul.

Embora seja um livro biográfico, a autora tem uma narrativa com "som" ficcional. É uma biografia, ao mesmo tempo é um romance. A vida real surpreende. Conta a história da Sociedade da Verdade, uma associação de mulheres, jovens judias de origem humilde que foram forçadas à prostituição por uma associação conhecida como Zwi Migdal (composta por judeus e dedicada ao tráfico de mulheres), depois de trazidas ao Brasil por cafetões internacionais. Uma união criada depois de uma vida de desventuras, para que elas pudessem assistir umas às outras na doença ou na morte, e sobretudo, recuperar o conforto dos rituais religiosos que a excluíram, lutando sozinhas por resquícios de dignidade.

Isabel pesquisou a vida de três mulheres: BERTHA, fundadora e presidente da Sociedade da Verdade, SOPHIA, vendida pelo próprio pai aos 13 anos de idade, e RACHEL, forçada á prostituição pelo próprio marido. Mulheres nascidas pobres e judias, nos guetos urbanos e shtels rurais da Polônia do início do século XX. Como acontece até hoje, viajaram iludidas com falsos empregos e falsos casamentos, para serem despachadas para prostíbulos que se entendiam pela América Latina, África do Sul, Índia e Nova York. Consideradas impuras, essas mulheres eram desprezadas até por seu próprio povo, não podiam compartilhar as sinagogas ou cemitérios dos judeus estabelecidos que encontravam nestes países de destino. Depois de longo e difícil trajeto, a vida traz BERTHA, SOPHIA E RACHEL para o Rio de Janeiro, onde finalmente conseguem alguma autonomia - embora já desprezadas por todos -, e então criam, sozinhas e com muito esforço e perseverança, a Sociedade da Verdade.

O livro tem, ainda, oito fotos antigas: duas lápides no cemitério de Inhaúma/RJ, a porta de entrada e uma foto do interior da sinagoga das prostitutas, e onde funcionava o escritório da Sociedade da Verdade. Três fotos antigas e raras das primeiras diretoras da Sociedade da Verdade, uma foto da sala de tahara no cemitério de Inhaúma/RJ, onde o corpo das prostitutas judias eram lavados na mesa de mármore, de acordo com o ritual de purificação judaica, antes de serem enterradas. Gosto de fotos antigas. Queria mais.

Como a história baseou em grande parte, em entrevista e livros raros, vale a pena conferir também as notas no final do texto. São curiosos, estes romances biografados: ainda não me acostumei a ler uma história e, ao final, encontrar os apontamentos como fosse uma monografia acadêmica. Escolhi ler as notas depois de ler o livro, para não perder o ritmo da narrativa. Foi interessante, porque quase acabei lendo duas vezes, voltando para conferir onde as notas se encaixavam na história, resultando na visão dúplice da mesma história: uma ficção, e uma realidade.

Detalhe para a capa: é uma ilustração de Lasar Segall, Duas Mulheres do Mangue (1925/28), tinta preta a pena e aquarela, 24x48 cm. O original está na Coleção Museu Lasar Segall. A obra remete à mesma época em que se passa a história, um detalhe de pura classe!







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