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sábado, 9 de março de 2013

A BRUXA DE KEPLER, de James A. Connor


 

Eu conhecia um pouco da vida de Copérnico, e outro pouco da vida de Galileu Galilei. E em ponto de vista extremamente pessoal, sempre achei o primeiro mais inteligente do que o segundo. Sinceramente, fosse eu a viver à sombra da Santa Inquisição, com a certeza da morte na fogueira caso divulgasse minhas idéias, possivelmente também as escreveria em segredo, para só serem divulgadas após a minha morte. Alguns diriam que é covardia. Eu chamo de sobrevivência.

Mas, opiniões à parte, conhecia muito pouco da vida de Kepler, até encontrar a biografia romanceada de James A. Connor, intitulada A BRUXA DE KEPLER (em português com tradução de Talita M. Rodrigues, Editora Rocco2004). Sequer sabia que Kepler e seu amigo e patrono Tycho, contemporâneos de Galileu, foram tão importantes quanto este último para a comprovação científica e divulgação das teses de Copérnico.

A compra foi curiosa. Estava acompanhando um namorado, para assistirmos juntos uma palestra sobre artes marciais orientais que acontecia em uma livraria esotérica afastada do centro, e que eu não conhecia. Gostei do lugar. Era uma casa antiga, um sobrado pequeno ainda com a disposição arquitetônica dos cômodos originais, a entrada com uma escadinha lateral e minúscula varanda coberta. A casa tinha um saguão de entrada e duas salas de porte médio, onde funcionava a livraria propriamente dita, com prateleiras e estantes dispostas em um ambiente gostoso, exótico, cheio de imagens indianas, incensos queimando, e cantinhos de leitura enfeitados com cristais e plantinhas. Havia vários títulos de publicações alternativas, farto material esotérico, alguns poucos livros de arte e literatura. Mas este livro estava em uma prateleira de assuntos diversificados. Li a orelha sem muita atenção, paguei correndo porque a palestra já ia começar, e por isso não imaginei que levaria para casa mais do que um simples livro de ficção, com uma bruxa qualquer como personagem central.

Só no dia seguinte, folheando e começando a leitura do livro, descobri com surpresa e alegria que havia feito uma excelente compra. De fato, é a biografia de Johannes Kepler, astrônomo e astrólogo contemporâneo de Galileu Galilei, um dos maiores visionários de seu tempo. O título evoca toda a intriga religiosa do século XVII, a consolidação do protestantismo na Europa, de sua rivalidade e dos conflitos com a secular igreja romana, ao fato do próprio Kepler ter sido um homem de profunda fé cristã, e um protestante que muito interessava aos jesuítas. Mas refere-se, diretamente, ao fato de sua mãe Katharina ter sido acusada e julgada por bruxaria. Por fim, o próprio Kepler seria excomungado de sua igreja por suas heréticas idéias, por toda uma vida pesquisando provas de que a terra não era o centro do universo, mas sim girava em torno do sol, e por sua insistência em ver Deus revelar-se mais pela harmonia do Universo, do quê creditando ao homem o título da maior criação divina.

As intrigas religiosas são parte importante da biografia, ao focar a dependência dos homens de ciência nascidos no Renascimento, das benesses e do mecenato pelos homens de fortuna, quer fossem nobres, quer fossem os poderosos da igreja. Neste ponto, ler a biografia de Kepler assemelha-se às de Michelangelo, Da Vinci ou Caravaggio. Nenhum deles é realmente livre para exercer seu ofício ou sua arte, todos dependem da boa vontade, do acolhimento e da remuneração de algum poderoso. E assim, as intrigas passam a ser parte inerente de suas biografias, e que, penso, não podem ser entendidas sem o contexto de época. É impressionante o que Kepler consegue fazer, considerando a imensa quantidade de dificuldades, problemas e conflitos que cerca toda a sua vida. Mas terminei o livro com uma sensação de empatia, pensando se, para ele, a persistência não adveio da sensação reconfortante de olhar a imensidão do universo, aparentemente tão mais calma e perfeita do quê a mesquinhez da realidade cotidiana.
 


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