Total de visualizações de página

domingo, 31 de março de 2013

MALLEUS MALEFICARUM (Martelo das Feiticeiras), J. Sprenger

Hoje faço uma exceção. Tenho usado este blog, para comentar os livros que gostei de ler.
Mas não posso afirmar isso, sobre o MALLEUS MALEFICARUM, chamado o livro dos inquisidores, escrito em 1484 por Heirich Kramer e James Sprenger (leio na versão traduzida para o português por Paulo Fróes, sob título O MARTELO DAS FEITICEIRAS, com uma excelente introdução em estudo histórico de Rose Maria Muraro e prefácio com análise psicológica de Carlos Byungton. Emprestei o primeiro volume que comprei e li, c-l-a-r-o que não devolveram!... Quando desisti de esperar, comprei o livro outra vez, agora tenho a 20ª reedição, de 2009, da mesma Editora Rosa dos Tempos.).

Este não é um livro "para ler".
Ao contrário: é um livro "para conhecer".

MALLEUS MALEFICARUM foi o livro que mudou a história da Santa Inquisição. Redirecionou a histórica da perseguição aos hereges (iniciada na trágica história dos cátaros, assassinados em Montségur, sul da França, entre 1209/1256 d.C), que atingia nobres e usurpava fortunas, para a caça às bruxas, atingindo sobretudo mulheres simples das pequenas aldeias, servindo interesses mesquinhos e brigas entre vizinhos.

O sucesso do MALLEUS na população da época, é normalmente creditado ao fato do livro conter várias gravuras, que ilustravam o que supostamente seriam o sabá das bruxas e formas de reconhecer as pessoas, sobretudo mulheres, que teriam pactuado com o demônio. Na Europa iletrada da época, as gravuras substituíram os inelegíveis textos em latim, e se tornaram imediatamente populares. A invenção dos tipos móveis da gráfica de Guttemberg também é apontada como um dos facilitadores à popularização da obra, por propiciar a facilidade de impressão e distribuição. E assim, MALLEUS acalentou a população em séculos de histeria supersticiosa.

O livro é dividido em três partes. A primeira, dedica-se a enaltecer o demônio com poderes divinos, agora chamado Lúcifer (o que traz a luz, o Portador da Luz), e ligar suas ações com a bruxaria. A questão principal da primeira parte do livro, é discutir teosoficamente sobre a existência do próprio demônio, da permissão divina para tal, e da existência das bruxas e de seus pactos demoníacos, até declarar herética qualquer dúvida sobre a existência de ambos. A segunda parte refere-se às formas de reconhecer uma bruxa, a partir de qualquer conduta que possa ser reputada diferente, ainda que remotamente: uma briga entre vizinhos, uma doença na família, até mesmo uma vaca produzindo menos leite. A terceira parte, ardilosamente preparada nos capítulos anteriores, refere-se à toda sorte de crueldades e aberrações do julgamento e sentenças que condenavam por bruxaria.

Confesso que nunca consegui ler o livro "inteiro".
Do texto propriamente dito, interessou a construção artificiosa que Sprenger faz, para transformar mitos greco-romanos e lendas populares, no imaginário da magia demoníaca. Entre estes, a imagem de Pã, deus greco-romano da natureza e dos lugares selvagens, transformado no "diabo" com chifres e pernas de bode popularizado a partir de então (pg 83 na edição citada).

Mas porque já conhecia o livro, foi interessante assistir (acho que ano passado), a um documentário recente (na TV a cabo, mas não gravei qual o nome do programa ou canal de emissão... desculpem), das pesquisas contemporâneas sobre a criação do MALLEUS, e da possibilidade de que este livro tenha sido uma das maiores fraudes perpetradas na história cristã medieval.

Isso porque a credibilidade do MALLEUS MALEFICARUM provém de uma Bula Papal, assinada pelo Papa Inocêncio VIII, dtada de 1484, e que inicia cada impressão dos volumes deste texto da bíblia dos inquisidores. A Bula Papal outorga aos inquisidores Henry Krammer e James Sprenger, professores de teologia da Ordem dos Monges Dominicanos, a proceder aos trabalhos da Santa Inquisição em várias aldeias, províncias e dioceses citadas.

Os pequisadores modernos observaram, entretanto, que não há uma ligação expressa entre a bula papal, e o livro propriamente dito.

De fato, a Bula Papal outorga poderes a um trabalho de campo, mas não cita nem se refere à redação de um livro e/ou texto teológico. Com uma pesquisa digna de detetives, debruçados sobre documentos antigos, os estudiosos concluíram pela possibilidade real de que o MALLEUS tenha sido escrito em data posterior à bula papal, pela ausência de referências ao tratado senão três ou quatro anos mais tarde do que a data apontada no documento, 1484. Observe-se, atentando à dificuldade na transmissão de informações do período, e caso sejam corretas as conclusões da pesquisa, que o livro teria sido concluído por volta de 1487/88, sendo que o próprio Papa Inocêncio VIII faleceu alguns anos depois, em  1492.

Na hipótese das conclusões desta pesquisa estar correta, talvez o Papa Inocêncio VIII jamais tenha efetivamente autorizado, ou validado, o livro que se tornaria a bíblia dos inquisidores e uma das páginas mais tenebrosas da igreja cristã.

E caso tais pesquisas estejam corretas em suas conclusões, a dimensão da crueldade humana atinge outro aspecto.

Neste contexto, MALLEUS MALEFICARUM terá sido uma pequena fraude de seus hediondos autores, que caiu no gosto popular talvez ainda mais do quê o comércio das relíquias e peregrinações, ou a compra de indulgências. Lembremos que a Santa Inquisição, nesta fase da caça às bruxas, tem uma reconhecida e declarada participação civil e popular ativa. A denúncia de bruxaria podia ser feita por qualquer pessoa, e ainda protegida pelo anonimato. E após o julgamento, em sendo a pessoa condenada por bruxaria, era o poder civil local quem fornecia as condições para a execução final, ou seja, quem promovia o espetáculo da morte pela fogueira, em praça pública, na presença de toda a populaçãodo local e redondezas.

Com isso, há duas formas de entender o MALLEUS MALEFICARUM, a caça às bruxas promovida pela Santa Inquisição, e seu impacto na sociedade cristã medieval.

Uma, é justificando a tragédia por um único bode espiatório, e culpabilizando o Papa Inocêncio VIII e a igreja romana, por toda a histeria coletiva, mortes cruéis e superstições que marcaram esta Idade das Trevas.

Mas há outra, aquela que nos faz pensar nos imperadores romanos acalmando seu povo com pão e circo (e o circo, eram lutas até a morte entre gladiadores, escravos oferecidos às feras e outros espetáculos de sangue), ou nos extermínios dos judeus e minorias nos campos de concentração da II Grande Guerra, e são estes apenas dois entre zilhões de exemplos possíveis. Ou seja, a outra interpretação, a que nos faz pensar se criminosos hediondos algum dia alçaram poder e promoveram tragédias, tão somente porque sua intolerância pessoal correspondeu e fez eco à intolerância da maioria da população a que se dirigiram, cada qual em sua época.


 




 
 

 
 





O BAILE DAS LOBAS, de Mireille Calmel

Claro que escolhi esse livro pelo título!

Sim, também dei uma espiada na capa curiosa, diferente. Chamou a atenção a publicidade indicando mais de 700 mil livros vendidos. Espiei a orelha... livro histórico, eu gosto. Mas, não tem jeito: já tinha decidido comprar o livro, os dois volumes de uma única vez, só de ler o título.

Admiro escritores que conseguem colocar um nome, na obra, que não descreva o romance e ainda assim indique a leitura e chame a atenção. Ainda lembro a discussão da faculdade, sobre "O PENSADOR", escultura de August Rodin (minha professora perguntava, para forçar a reflexão, o quê seria da escultura se tivesse outro título... se Rodan fosse um romântico e a chamasse "arrependimento", ou fosse ele um dadaísta e em alusão à Duchamp, desse nome à obra de "sentado no banheiro".)

Procurei na net alguma informação sobre a escritora, para ver se também ela leu MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS (Clarisse Estés), como eu. Não seria impossível, o romance segue a mesma idéia de liberdade e originalidade, e do desenvolvimento de força e coragem diante do desafio e dos predadores, que encontramos na obra da psicóloga junguiana. Mas, sobre isso, nada encontrei. O pouco que achei sobre a autora, é que Mireille Calmel é importante escritora francesa contemporânea, especializada em romances históricos. O resumo biográfico que existe na Wikipédia faz lembrar a história de Tolouse Lautrec, um talento burilado numa juventude de idas e vindas aos médicos, atormentada por dificuldades de saúde.

Mas o romance, é ótimo.
Para ter idéia, atropelei meus horários, fiquei acordada madrugada adentro e devorei os dois volumes em quatro noites (e quase não consigo trabalhar no dia seguinte... snif). A história é cheia de reviravoltas, Mireille é escritora que dá atenção aos fatos e desenrola sua história como um filme de aventuras. Não tinha jeito: como dormir, sem saber o que vai acontecer na sequência?

A história se passa na França de 1.500 d.C. A  trama é construída sobre dois desejos profundos: o das mulheres lobo, em encontrar o antídoto para a transformação dolorosa daquelas nascidas com o gene que as transforma em lobas no cair das noites de lua cheia.  E o desejo de um senhor feudal prepotente e violento, capaz dos crimes mais hediondos na tentativa de descobrir os segredos da alquimia, aquele que afirmava a existência de um elemento mágico capaz de transformar até as pedras em ouro e ainda propiciar a juventude eterna.

Inicialmente, o senhor feudal é atraído pela beleza de uma das jovens, a quem estupra. Mas na sequência da história, descobrindo os segredos destas mulheres incomuns, imagina que sua transformação seja resultado do mesmo elemento mágico que procura com tanta veemência, ligando seu destino ao das mulheres lobo, que seguiam sua saga atormentada, tentando superar a dolorosa mudança de forma a cada noite de lua cheia. Dos feudos medievais às florestas, dos subterrâneos cavados por piratas até o Pátio dos Milagres e a corte parisiense, a história desenrola rápida entre complôs, vinganças, assassinatos e intrigas, tanto entre poderosos como entre miseráveis.

Embora a história seja deliciosa, e no fim do livro indique as fontes de pesquisa e agradecimentos da autora, verdade que senti falta das curiosidades da reconstituição histórica... A trama passa na região de Alvergne, mais precisamente no castelo de Vollore (modificado no século XVII e atualmente na propriedade de Michel Aubert de La Fayette, como a autora informa no fim do livro), e nas ruínas da fortaleza de Montguerlhe, onde se passa parte substancial da ação. Mas observe-se que o século de que trata a autora, 1500 dC., corresponde ao tempo em que se descobriu o Brasil (onde eu moro!). Talvez por isso, tenha sentido falta, ou de referências às ciências e descobertas da época, ou das interpretações e superstições do populacho. O BAILE DAS LOBAS é surpreendentemente vago em relação à Inquisição, referida apenas em passagens breves e rápidas. Doutro lado, as mulheres são surpreendentemente "modernas" em seus costumes e em sua independência. Fiquei em dúvida, se a França era mais benevolente com suas mitologias pagãs e suas mulheres, do que em outros países, na mesma época (como a lenda das próprias lobas, pela qual segue a trama do livro). É possível... pois a França é a terra dos cátaros, a mais forte e bem desenvolvida "heresia" de toda a Idade Média, não é? Mas fiquei com a sensação de que, se soubesse um pouco mais da história da França e de seu lugar na combativa Idade Média, talvez usufruisse um pouco mais do livro.




   

quinta-feira, 28 de março de 2013

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO SÉCULO XXI

Faço um grande esforço para apreender novamente, agora sob as novas regras de um mundo computadorizado, quem me olha e porque me olha. SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO. Sorria para quem, e porquê?

Cresci em uma época onde a maioria das pessoas, nós pobres mortais, olhavam o mundo com os próprios olhos. Mais das vezes, sabia quando era vista, simplesmente porque também via quem olhava para mim. A televisão não modificava essa verdade, pois tinha a certeza que, nela, apenas eu era capaz de ver. E e a idéia de que alguém pudesse olhar para mim, ao reverso, através da televisão (ou de um celular, ou de um computador, ou qualquer outro aparelho doméstico e portátil, porque acoplados com um dispositivo de câmera e imagem), era idéia restrita à ficção de Orwell e seu tenebroso Big Brother que tudo vigia e tudo vê.

Mas os anos passaram. As lojas, comércios e até as ruas são lugares onde se escondem câmeras de segurança, que gravam minha imagem passando. Sou vista, sem saber quem me vê. Volto prá casa, e na televisão pipocam programas reality show, confinando ou seguindo voluntários e participantes dentro das casas, no espaço de sua intimidade, tornando a invasão de privacidade um espetáculo público. Hoje, qualquer celular possui câmeras de vídeo e foto, e não há controle ou aviso, de quem está filmando quem, ou para onde seguirão as imagens depois de produzidas.

Foi no ano passado, enquanto ainda concebia a idéia de voltar a escrever neste blog e escolhia com que novos conteúdos eu faria isso (a idéia original, que era vinculada ao TCC da faculdade de artes, teve tão pouca receptividade entre as pessoas que deveriam motivá-la, que eu mesma desmotivei), que me tornei consciente desta sensação de insegurança, consegui verbalizar e então prestar atenção nisso.

Quem me vê?
Porque me vê?
Que importância dá ao que vê?

A primeira coisa que fiz, foi prestar atenção ao fato de que, na rua, sou vista, mas não tenho importância. Câmeras de segurança, nos prédios e nas ruas, nos comércios e nos caixas automáticos, gravam minha imagem diuturnamente, mas sei que apagam tudo o que foi gravado em questão de poucos dias, a menos que exista algum crime ou acidente a ser periciado (o que, que eu saiba, ainda não aconteceu em nenhuma das imagens onde estive). Diferente, portanto, da minha casa, onde não há câmeras escondidas em lugares que desconheço, poucas pessoas me vêem, mas todas que o fazem me conhecem e se importam comigo. Apesar da sensação de constante e ininterrupta vigilância, o fato é que dentro da minha casa não há nenhum reality show acontecendo, e tenho minha privacidade razoavelmente preservada.

Sei que escrito assim, de forma tão fria e racional. a idéia parece bobagem e a distinção parece óbvia. Mas confesso que, na prática, fez toda a diferença, quantas vezes a imaginação havia distorcido a realidade? Será que só eu entrei para tomar um banho rotineiro, e uma associação de idéias qualquer trouxe a sensação de que algum ecochato poderia estar me espiando por uma câmera de segurança escondida nos furinhos do chuveiro, para garantir que "fizesse xixi no banho" e assim economizasse até a preciosa água que, de outra forma, seria usada na descarga? Será que só eu decido passar um dia inteiro de pijama, escrevendo meus textos aqui no computador, e de sobressalto imagino os estilistas do ESQUADRÃO DA MODA entrando porta adentro, determinados a fazer com que me vista de tal forma a agradar quem me critique, mesmo que não vá sair de dentro do sacrossanto recindo do meu estúdio doméstico? Ou que antes de sair no jardim, sete e meia da manhã de um dia de semana, para jogar na grama o pó de café usado tentando afastar as formigas que vejo infestando as calçadas da minha rua, olha em volta imaginando a improvável cena de ser abordada ainda de pijama por um repórter invasivo produzindo matéria sobre descarte ecológido do lixo doméstico?

Pois é... confesso que passo parte do meu tempo, selecionando pensamentos absurdos e colocando-os em seus devidos lugares. Separando as associações de idéias exdrúxulas como um pesadelo que nos acorda no meio da madrugada, através das perguntas simples que consigo verbalizar com tranquilidade: quem me vê? Porque me vê? Que importância dá ao que vê?

É assim que sigo em frente.
Sei que há um número de pessoas maior do que consigo imaginar, que me vê sem que eu saiba disso. E sei que não tenho qualquer importância, para nenhuma delas, sou apenas um número de estatística, mesmo que os políticos neguem o fato nos seus discursos de palanque. Sou aquela que passa, aquela que compra, aquela que saca dinheiro, aquela que espera o ônibus em meio a uma infinita sucessão de pessoas que passam, compram, sacam dinheiro e esperam o ônibus, continuamente, todos os dias. E estatística, todos sabemos, são aqueles números que só fazem sentido para quem tem que tomar decisões em políticas públicas e grupos extensos, mas não fazem sentido e se tornam absurdas, interpretadas individualmente. Estatística é aquela afirmativa de que as famílias modernas tem, em média, um filho e meio. Escuto, e dou risada, o que é "meio" filho? Ser um dado infinitesimal de uma estatística, é de pouca valia para mim. Tomo de suas conclusões, apenas o que me aproveita.

Porém, nesta matemática, pouca gente me vê.
E isso é uma constatação triste, porque também eu vejo menos do quê gostaria, as pessoas de quem gosto, ou amo. Não falo aqui do manter contato, dos bom dia & boa tarde do facebook, do telefonema eventual. Falo das conversas partilhadas olho no olho, dos lugares comuns onde todos se encontravam, que parecem cada vez mais distantes e impossíveis entre agendas apertadas com muito trabalho, a distância dos deslocamentos, e a violência crescente na noite e nos feriados em que a cidade descansa.

Sinto como se vivesse dentro de uma redoma de vidro, dentro de uma bolha que está em constante movimento à minha volta. Raramente sinto solidão, mas comumente estou sozinha. Não seria um sentimento ruim, não fosse o fato de significar uma perda (mais uma) de algo importante que agora faz parte do passado. Talvez esteja apenas envelhecendo. Ou não, já que não estou sozinha nesta constatação.

Mas isso tudo é apenas metade da verdade.
A outra metade, é quando me afasto de tudo, desligo a televisão e o rádio, e deixo o silêncio desenhar seus caminhos.
Preciso disso, desta solidão criativa, para pensar e produzir.

Durante décadas, estive cercada de pessoas muito amadas, todo o tempo. E nesta época, desejando o que não tinha como qualquer outra pessoa o faria, sonhava em ter tempo para mim, para produzir tudo o que minha imaginação ditasse. Na medida em que a maturidade foi chegando, trazendo o tempo de tranquilidade que tanto desejei, descobri que meus sonhos eram mais fáceis de realizar quando não eram mais do que imaginação.

Escrever as histórias, palavrinha por palavrinha, era trabalho mais lento do que imaginei que seria. Depois, vem a revisão, e quase que escrevo tudo de novo. Não tenho palavras para descrever a frustração de olhar os primeiros desenhos e modelagens que fiz, quão longe estava do resultado que queria obter. Achei que escreveria mais rápido, que desenharia melhor e veloz, que pintaria com mais precisão, que as peças de argila não desmoronariam tão fácil pelo peso do material ou da gravidade, tampouco rachariam na secagem. Tanto idealizei, e me descobri simples aprendiz!

Sinto que estou no meio do caminho.

Há um lado saudosista, do barulho e da balbúrdia de quando a cidade era menor, o tempo era mais elástico, as crianças eram crianças, os idosos ainda viviam, e havia sempre muita gente junta para fazer, em equipe, o que precisava ser feito. Mas há também um outro lado, ansioso por aprender e produzir, ávido por cada minuto deste tempo de isolamento, mas cheio de ansiedade sobre a minha real capacidade para produzir algo de qualidade, como gostaria. O saudosismo me traz segurança, porque fala de um tempo passado que pertence a mim, e a mais ninguém. O presente traz promessas, mas também insegurança, porque remete a um tempo futuro que ainda não me pertence, nem a mim, nem a ninguém.


MARLEY & EU, de John Grogan

O que se pode falar sobre um livro que virou filme de sucesso?
Simples: o livro é mais interessante que o filme!


Certa feita, tive um namorado aficcionado por cinema. Nossa discussão mais básica, repetida em todos os momentos em que o assunto de conversas acabava (o que era bastante raro, mas acontecia), era comparar livros e filmes (filmes adaptados de livros, bem entendido), eu sempre defendendo os livros, ele sempre defendendo os filmes.

Tudo começou com O ILUMINADO, história de suspense de Stephen King, filme do diretor Stanley Kubrik. Até aqui, nenhuma novidade. Acredito que a polêmica, "livro ou filme?", não exista sem antes passar por essa discussão clássica, já que Kubrik reinterpretou o livro de Stephen King, suprimiu o elemento psicológico que perfazia o suspense, e o substituiu por efeitos visuais de impacto construindo um filme de terror, contando ainda com mais uma atuação marcante e magistral de Jack Nicholson, o que foi motivo de controvérsias que duram até hoje. E jogando a modéstia na lata de lixo, nós fazíamos uma excelente dupla para tal discussão: ele era fã dos trabalhos de Kubrik, e o defenderia até debaixo d'água. Em compensação, eu detestei esta versão cinematográfica, que excluiu tudo o que eu mais gostava no suspense e na narrativa do livro.

Lembrei disto hoje, quando fui procurar mais algum livro interessante prá conversar aqui no blog, usufruindo tranquila do primeiro dia deste feriado prolongado. Olhei uma prateleira inteira só de livros de humor... e me perguntei porque gosto de ler livros de humor, mas não sinto necessidade de escrever sobre eles! Olhei os vários títulos da Marian Keyes, inclusive o Melancia e Férias, meus prediletos. Olhei autores diversos, livros diversos, sem saber o quê escolher. Talvez as piadas sempre fiquem melhores, quando são lidas no original. Escrever sobre livros de humor, significa também fazer rir? Não sei! Só sei que essa é uma frustração pessoal, não saber escrever humor, ou não fazê-lo com facilidade. É um dom que admiro (e também invejo...) em outros escritores.

Então escolhi MARLEY & EU, VIDA E AMOR AO LADO DO PIOR CÃO DO MUNDO, escrito por John Grogan, lembrando da antiga diversão de discutir com o namorado: o livro é melhor que o filme. Quem gostou do filme, devia ler o livro. Ou como fiz: li o livro, depois assisti o filme.

Qual a diferença?

Há muito mais passagens no livro, que não foram filmadas. O filme nos leva às lágrimas, expurgando a dor de perder um animal que é mais que um bicho de estimação, é parte da família e das nossas vidas.

Mas o livro é hilariante, e conta mais da vida de Marley e das inúmeras peripécias que aprontou. Não muito diferente do que fazem nossos próprios cachorros, só que levado a extremos e contados com bom humor. É um livro que causa empatia a qualquer pessoa que já teve um cachorro na vida, porque fala daquele sentimento tão humano, que nos faz amar mais aos defeitos de alguém, do que por suas virtudes. Porque, pensemos: qual a vantagem em amar algo ou alguém, que é e faz tudo do jeito que queremos?

Marley nos fala dos amores difíceis, aqueles em que aprendemos a amar alguém por aquilo que realmente é, e não por aquilo que nos agrada. Dos amores únicos, individuais, que não podem ser substituídos. E ainda, como qualquer bom escritor lhe diria, que felicidade não constrói histórias, e sobre como, de fato, amamos a singularidade e a superação, que pode estar tão próxima, dentro de nossas casas, acontecendo a cada dia.







ABANDONADA NO CAMPO DE CENTEIO, de Joyce Maynard


Os apreciadores de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger que me desculpem... Mas, antes de me sacrificar e jogar tomates e ovos podres, compreendam: isso só me aconteceu três únicas vezes, na vida!

Era apenas uma adolescente que gostava de ler, mal saída das Reinações de Narizinho do Monteiro Lobato, quando papai me disse que precisava ler A Revolução dos Bichos, de George Orwell.  Acontece que ele só disse isso: que o livro era "importante", e que eu deveria ler.
Como uma boa filha obediente, emprestei o livro na biblioteca, e sem nenhum preparo prévio, eu li... oras... li uma historinha de criança cheia de bichinhos falantes, sem fazer idéia do porquê meu pai tinha dito que o tal livro era "importante"!
Tudo bem, claro que depois eu pesquisei, por nada deste mundo reconheceria a meu pai que li o livro e não entendi (jamais!), e então compreendi (vagamente, na época) o que era uma crítica, e o que era o sistema comunista, na visão do autor.

Muitos e muitos anos depois, adulta e apaixonada por livros, aconteceu de novo: foi a vez do meu sócio perguntar se já tinha lido O Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger.
Inocentemente, respondi que "não", e ele abismado respondeu: mas é um clássico! Não acredito que não o leu!.
Imediatamente, pegou um volume que estava ali perto, e sem maiores explicações, o emprestou para que eu o lesse. O livro não tinha sequer uma orelhinha básica, para que tivesse ídéia do que se tratava. Mas, constrangida, comecei a ler assim mesmo. E sem saber o que lia, engoli página depois de página, de um texto que parecia jamais sair do lugar! Claro que, como da primeira vez, depois fui procurar porque o livro era "importante". Foi mais fácil de encontrar, pesquisei na internet. Mas desta feita, confesso que o mal estava perpetrado: continuei achando Holden Caulfield, o personagem adolescente protagonista do romance, o aborrecente narcisita mais chato que já tinha conhecido.

Por isso, ler ABANDONADA NO CAMPO DE CENTEIO, MEU CASO DE AMOR COM J. D. SALINGER, de Joyce Maynard, teve lá o seu gostinho de vingança!

Escrito por uma ex namorada de Salinger, revela algumas esquisitices do autor, bem como algum rancor do relacionamento frustrado. Respeitado como um livro autobiográfico, traz algumas fotos da autora, de sua família e da convivência com o escritor. O texto tem uma linguagem confessional, e Joyce não omite que escreveu, em parte, como uma forma de terapia, partilhando suas memórias como uma maneira de superá-las.

É como espiar a vida alheia pelo buraco de uma fechadura antiga. Olhando de perto ninguém é normal, e aqueles bafejados pela fama parecem ainda mais vulneráveis. O livro, escrito quase vinte anos depois do caso ocorrido, causou interesse porque Salinger é considerado um recluso, de quem pouco se conhece da intimidade. No fim, é a história de uma grande paixão... que não deu certo. Conta o livro que Joyce tinha dezoito anos, quando de seu relacionamento com um Salinger "cinquentão".

Mas, seja como for, minha humilde opinião é que, neste caso, a vida real pareceu mais divertida do que a ficção. E Salinger, ele mesmo um personagem "real" mais interessante, do quê aqueles que criou em sua imaginação.



 

Joyce, em foto de 1972.

Salinger aos 44 anos.



 

BERTHA, SOPHIA E RACHEL, de Isabel Vincent

O tráfico de mulheres é assunto discutido no momento, graças a uma novela em horário nobre, que já deve estar quase no final. Esta novela, não acompanhei, mas fala do tráfico de brasileiras para a Europa. Porém, a questão é antiga. Acredito, exista em todo lugar.

E o comércio começou na rota inversa, ou pelo menos foi esta a conclusão que tirei, depois de ler BERTHA, SOPHIA E RACHEL, A SOCIEDADE DA VERDADE E O TRÁFICO DE POLACAS NAS AMÉRICAS, de Isabel Vincent (leio com tradução de Alexandre Martins, na edição de 2006 da Editora Relume Dumará).

É um livro para começar a ler, já nos agradecimentos.
Vale dizer que nunca pulo os agradecimentos de um livro,  já que muitos deles contém informações curiosas sobre o processo de criação de um livro. Lembro de um, em que os agradecimentos estenderam-se ao senhorio, que permitiu que o escritor morasse com os aluguéis atrasados, aguardando a entrega do texto à editora para que tivesse dinheiro suficiente para quitar o débito. Realmente importante, pois lembra quantas vezes os gênios das letras se escondem por trás de rostos humildes e cheios de dificuldades financeiras... Esposas que agradecem a paciência dos maridos, não só relegados a segundo plano, como fazendo às vezes do trabalho doméstico, enquanto o livro é produzido. Sei bem o que é isso: escrever nos tira da realidade, e como é difícil voltar do mundo da fantasia e das letras, para assumir novamente um cotidiano rotineiro!

Em BERTHA, os agradecimentos informam a longa jornada da escritora, cinco anos de pesquisas onde a maior dificuldade foi "... convencer as pessoas a falar abertamente sobre as polacas, as prostitutas da Europa Oriental". E acredite: o tráfico de mulheres européias, para prostituição na Argentina e Brasil, foi pesquisado por uma premiada escritora canadense (!), e pelo que consegui deduzir cruzando informações das orelhas, agradecimentos e prefácios, é que sua pesquisa inicia na história judaica (foi vencedora do Premio Canadian Jewish Book Awards en 2005, como melhor livro de história judaica). Um verdadeiro trabalho internacional: uma escritora canadense, pesquisando a história de mulheres polonesas, que viveram seus dramas e tragédias na América do Sul.

Embora seja um livro biográfico, a autora tem uma narrativa com "som" ficcional. É uma biografia, ao mesmo tempo é um romance. A vida real surpreende. Conta a história da Sociedade da Verdade, uma associação de mulheres, jovens judias de origem humilde que foram forçadas à prostituição por uma associação conhecida como Zwi Migdal (composta por judeus e dedicada ao tráfico de mulheres), depois de trazidas ao Brasil por cafetões internacionais. Uma união criada depois de uma vida de desventuras, para que elas pudessem assistir umas às outras na doença ou na morte, e sobretudo, recuperar o conforto dos rituais religiosos que a excluíram, lutando sozinhas por resquícios de dignidade.

Isabel pesquisou a vida de três mulheres: BERTHA, fundadora e presidente da Sociedade da Verdade, SOPHIA, vendida pelo próprio pai aos 13 anos de idade, e RACHEL, forçada á prostituição pelo próprio marido. Mulheres nascidas pobres e judias, nos guetos urbanos e shtels rurais da Polônia do início do século XX. Como acontece até hoje, viajaram iludidas com falsos empregos e falsos casamentos, para serem despachadas para prostíbulos que se entendiam pela América Latina, África do Sul, Índia e Nova York. Consideradas impuras, essas mulheres eram desprezadas até por seu próprio povo, não podiam compartilhar as sinagogas ou cemitérios dos judeus estabelecidos que encontravam nestes países de destino. Depois de longo e difícil trajeto, a vida traz BERTHA, SOPHIA E RACHEL para o Rio de Janeiro, onde finalmente conseguem alguma autonomia - embora já desprezadas por todos -, e então criam, sozinhas e com muito esforço e perseverança, a Sociedade da Verdade.

O livro tem, ainda, oito fotos antigas: duas lápides no cemitério de Inhaúma/RJ, a porta de entrada e uma foto do interior da sinagoga das prostitutas, e onde funcionava o escritório da Sociedade da Verdade. Três fotos antigas e raras das primeiras diretoras da Sociedade da Verdade, uma foto da sala de tahara no cemitério de Inhaúma/RJ, onde o corpo das prostitutas judias eram lavados na mesa de mármore, de acordo com o ritual de purificação judaica, antes de serem enterradas. Gosto de fotos antigas. Queria mais.

Como a história baseou em grande parte, em entrevista e livros raros, vale a pena conferir também as notas no final do texto. São curiosos, estes romances biografados: ainda não me acostumei a ler uma história e, ao final, encontrar os apontamentos como fosse uma monografia acadêmica. Escolhi ler as notas depois de ler o livro, para não perder o ritmo da narrativa. Foi interessante, porque quase acabei lendo duas vezes, voltando para conferir onde as notas se encaixavam na história, resultando na visão dúplice da mesma história: uma ficção, e uma realidade.

Detalhe para a capa: é uma ilustração de Lasar Segall, Duas Mulheres do Mangue (1925/28), tinta preta a pena e aquarela, 24x48 cm. O original está na Coleção Museu Lasar Segall. A obra remete à mesma época em que se passa a história, um detalhe de pura classe!







terça-feira, 26 de março de 2013

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, de Aldous Huxley

Você sabia que Aldous Huxley morreu em 22 de novembro de 1963, o mesmo dia em que John F. Kennedy foi assassinado?

Para mim, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO é um livro de leitura obrigatória.

Não só por ser um dos livros da clássica "trilogia" da ficção científica com ares proféticos sobre os rumos da nossa civilização pós guerra (lembrando: são eles Admirável Mundo Novo/A. Huxley, que antecipou a obsessão pela idéia da felicidade como um direito comum, escrevendo sobre uma sociedade futurista onde as pessoas vivem em ambientes totalmente artificiais, com suas ações e emoções controladas e manipuladas através de remédios e/ou drogas, para que se sintam eternamente felizes... e dependentes. Fahrenheit 451/Ray Bradbury, que antecipou a massificação da educação e cultura, escrevendo sobre uma sociedade futurista onde os livros são proibidos, o pensamento crítico é suprimido, e os bombeiros agora são responsáveis por caçar e queimar livros porventura escondidos à revelia das leis, pois a ignorância é considerada uma benção, uma virtude. E 1984/George Orwell, que antecipou a invasão de privacidade dos modernos controles do Estado totalitário e da mídia, escrevendo sobre uma sociedade futurista dominada pelo Big Brother/grande irmão, a televisão que invade a privacidade de cada um e manipula a totalidade das informações fornecidas para todos, mudando a história a seu bel prazer).

Também não por ser um livro relativamente pequeno, de linguagem simples e leitura agradável, e fácil de encontrar. Hoje leio por uma edição de bolso, publicada em 2009 pela Editora Globo, com tradução Lino Vallandro e Vidal Serrano. Mas já tive pelo menos outros dois ou três livros, de outras edições, que dei de presente para alguém que se interessou, mais tarde substituí por um novo volume para mim.


Considero como leitura obrigatória, sim, pela quantidade de vezes que já ouvi referências e/ou citações ao ADMIRÁVEL MUNDO NOVO! em que vivemos hoje, por pessoas que visivelmente não sabem do quê estão falando e nunca leram o livro!

Como constatar isso?
Muito simples!

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO é uma crítica ferina, uma ironia expressa, uma exposição na forma ficcional do desprezo do autor pela facilidade com que as pessoas, agindo como uma "massa humana", submetem-se voluntariamente à manipulação e vivem felizes na ilusão. Este é o livro de leitura obrigatória, para qualquer pessoa que, algum dia, observou que todas as tragédias da história conhecida, movidas pela mão e pela vontade humana, começaram com alguém afirmando que "queria-um-mundo-melhor"...  Em ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, a sanidade mental só existe no Selvagem e nos Exilados, aqueles que aceitaram as agruras de viver à margem da sociedade estabelecida, sem direitos e sem cidadania, mas de forma natural. Na cidade, porém, todos submetem-se regularmente à somma, uma droga que mantém artificialmente a sensação de felicidade, e rituais que substituem a religião, a interação pessoal e até mesmo o sexo.

Apesar disso, a quase totalidade das vezes que encontrei, em matérias recentes, citam o tal "admirável mundo novo" como se o livro fosse algum tipo de ode à modernidade, como se o texto glorificasse a sociedade tecnológica de consumo! Então leio... leio de novo... e não sei se caio na gargalhada ou choro com pena da ignorância, de alguém que opina sobre um livro que nunca leu, nem mesmo sabe do quê se trata!













domingo, 24 de março de 2013

ANGEOLOGIA, de Danielle Trussoni

A primeira vez que vi o livro ANGEOLOGIA, O CONHECIMENTO DOS ANJOS, romance de Danielee Trussoni (na tradução de Paulo Afonso, Ed Suma de Letras, 2010), o segmento da autoajuda havia inundado as prateleiras com uma sucessão de títulos sobre "anjos", sempre vistos como os benéficos protetores divinos a que cada um de nós supostamente teria direito...

Sou daquelas pessoas que acredita que o otimismo é uma necessidade para a sanidade mental, que considera o senso de humor uma qualidade louvável e desejada... mas o tal do "pensamento positivo" anunciado nos conceitos da Nova Era nunca funcionou para mim. Talvez porque a idéia de perfeição, nas várias descrições que já me foram feitas no decorrer de uma vida, cause um certo repúdio, como se não fosse normal, tampouco desejável no contexto humano. Seja como for, o fato é que deixei o livro prá lá, e lembro que o troquei pelo volume do SEPULCRO (Kate Mosse), outro livro sensacional que em algum momento venho contar aqui. Não queria ler sobre como anjinhos são bonitinhos & perfeitinhos, entende?

Mas semana passada, fui espiar vitrine do sebo. É um dos meus passeios favoritos, há duas lojas grandes perto do meu escritório, que reúnem zilhões de livros novos e usados, revistas, CDs e DVDs, e ambas dirigidas por gente que entende do assunto, e que fazem seleções bem interessantes. Gosto, inclusive, de comparar o que está exposto nas livrarias, com o que apresentam os sebos. Nas livrarias, existe o interesse maior das editoras nos lançamentos e investimentos, então podemos assistir para onde dirigem a nossa atenção. Nos sebos, é diferente: são lojas que possuem público local, com interesses específicos, o cliente é quem manda, e nem sempre seus interesses são similares àqueles destacados nas livrarias. Por isso, enquanto espero a mudança da tendência que neste começo de ano inundou as livrarias com uma enormidade de títulos muito parecidos, não sei quantos tons de cinza dos mais diversos autores falando de submissão sexual feminina supostamente eróticos, e outro tanto de livros dos gurus da autoestima de vendedores e gerentes, prefiro passear pelos sebos, que trazem diversidade.

Minha rotina é sempre a mesma: olho os livros em destaque nas vitrines e expositores, depois olho o balcão das ofertas. E se nada encontrar, só então passo pelas prateleiras de literatura, arte e psicologia, não necessariamente nesta ordem. ANGELOLOGIA, desta feita encontrei no balcão das ofertas, a um preço tão razoável, que valia a pena comprar mesmo que fosse apenas para confirmar a primeira impressão, e afinal guardar na estante depois de ler poucas páginas. Isso acontece, às vezes... Acho que estou com pelo menos uns cinco livros nesta condição, hoje: um Humberto Eco empacado, um livro sobre blogs de sucesso que folheei e não li nem dez páginas, pelo menos dois clássicos que fiquei com preguiça de continuar, e um título sobre como falar em público, interessante para ler devagar... e estou lendo BEM devagar!

Trouxe então o ANGEOLOGIA para casa... e adorei! Afirma orelha e prefácios que há pesquisa precedente da autora, Danielle Trussoni, para embasar a ficção que escreve sobre os anjos caídos, e a raça dos Nefilins (ou Gigantes, como são traduzidos nas Bíblias em português), a raça híbrida de filhos dos anjos caídos que conceberam com mulheres humanas. Não tenho como opinar sobre o assunto, pouco conheço dos estudos medievais de angeologia.

A história se desenrola a partir de um grupo de angeólogos, estudiosos com origem medieval, que operam na vida privada e estudam à sombra de conventos e mosteiros, sem reconhecimento oficial. E a partir da teoria conspiratória de que os híbridos, capazes de viver por séculos, misturados aos humanos teriam se constituído como famílias poderosas, capazes de influenciar a história humana.

Assim, os anjos de Danielle Trussoni estão muito longe da imagem de perfeição e proteção que imaginei encontrar. Ao contrário, os Nefilins de sua imaginação são quase monstros de perfeita e divina beleza, vivendo entre humanos conquanto híbridos frios, assassinos e decadentes. Danielle deixa tênue a linha divisória entre o bem e o mal, algo que acho notável em qualquer fantasia. Seus híbridos não são totalmente maus, são mais narcisistas poderosos. Seus humanos não são totalmente bons. Tampouco são os heróicos idiotas como tanto se vê naquelas ficções que tentam definir o bem e o mal de forma absoluta, personagens que se tornam heróis porque não tiveram tempo de fugir como todos os outros, e ganharão a batalha final por sorte ou intervenção de alguém que, afinal, sabia o que fazia ali...Danielle consegue fugir dos dois estereótipos.

Neste contexto, respeitadas as diferenças, ANGEOLOGIA lembra o ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (Aldous Huxley), na medida em que corrompe a idéia da perfeição até transformá-lo na própria maldade e manipulação mesquinha.







Achei na internet, uma sinopse bem interessante sobre o livro. Vou colar aqui:
http://www.skoob.com.br/livro/115862

Sinopse - Angelologia - O Conhecimento dos Anjos - Danielle Trussoni

No romance de estreia de Danielle Trussoni, best-seller do New York Times, anjos também vivem na Terra e escondem suas asas para não levantar suspeitas. No entanto, sua perfeição imaculada se desfaz quando se apaixonam pelos humanos, seres inferiores. Os descendentes dessa união, os chamados Nefilins, são criaturas híbridas que desejam dominar a humanidade semeando o medo, provocando guerras e se infiltrando nas mais poderosas e influentes famílias da história. "Os Nefilins do meu livro são totalmente modernos. Os Nefilins originais, mencionados como 'gigantes' no livro de Gênesis, foram a inspiração para as criaturas que eu imaginava. Eu queria inverter a ideia típica dos anjos enquanto seres exclusivamente responsáveis por atos beneficentes. Queria mostrar o seu lado obscuro, explorar a capacidade de sedução que sua imagem exerce sobre as pessoas e, com isso, criar uma perspectiva aterrorizante", explica Trussoni. Com uma narrativa complexa e inteligente, Angelologia - O Conhecimento dos Anjos consegue fundir elementos bíblicos, míticos e históricos e envolver o leitor da primeira à última página. Mas a autora conta que quando começou a escrever o livro não estava especificamente interessada na história dos anjos: "Na verdade, eu não estava nada interessada neles. Tudo que eu sabia é que queria escrever algo que se passasse em um convento, e então decidi que deveria me hospedar em algum deles durante um tempo. Foi nesse período de estadia que me deparei com uma coleção imensa de livros sobre anjos. Depois que comecei a ler, tive a nítida certeza de que os anjos são elementos onipresentes em nossa cultura." No livro, a irmã Evangeline era apenas uma menina quando seu pai a entregou à ordem das Irmãs Franciscanas da Perpétua Adoração, ocupantes do Convento de Santa Rosa, em Nova York. Agora, aos 23 anos, ela se vê subitamente jogada no centro de uma batalha pelo poder na Terra que já se estende por milênios. Os protagonistas desse confronto são os Nefilins e a reclusa Sociedade Angelológica, que, com seus conhecimentos ancestrais, parece ser a única capaz de detê-los. Quando Evangeline se envolve no conflito, sua vida é colocada em risco e o apocalipse parece estar próximo. Dos corredores austeros do convento à opulência da Quinta Avenida, de um cemitério em Montparnasse às montanhas da Bulgária, Angelologia - O Conhecimento dos Anjos é uma viagem pelos locais resguardados onde a História da relação entre os seres humanos e os anjos foi mantida a sete chaves.

quarta-feira, 20 de março de 2013

MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS, de Clarissa Pinkola Estes

Este é meu livro de cabeceira, há muitos anos. Eu o comprei por indicação de uma colega de faculdade, que reencontrei no trabalho depois de muitos anos. Acredite se quiser: comecei a ler, empaquei logo no começo, e o livro talvez tenha passado um ano ou mais na estante, sem que o abrisse novamente.

MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS é um trabalho de pesquisa e análise junguiana, que Clarissa Pinkola Estes faz sobre 19 contos, alguns reformatados pelos irmãos Grimm, outros populares, todos pesquisados desde a origem como contados pela tradição oral, em vilarejos distantes e comunidades afastadas. Eu o considero como uma "bíblia" para a mulher criativa, que desenvolve alguma linha de arte (música, poesia, pintura, dança, teatro, etc), profissionalmente ou não, e recomendo sua leitura a todos que me perguntam por onde começar a estudar ou entender a vinculação entre as narrativas, o simbolismo e a psicologia.

Em uma época tão consumista, pode-se dizer que seja um livro antigo... O original é de 1992, chegou no Brasil no final da década de 90 (estou sem o volume aqui... depois complemento este post, com o nome da tradutora e os dados da edição que possuo).

Interessante que, em seu lançamento (aqui no Brasil, bem entendido), o livro era considerado como "feminista", e foi publicado e divulgado junto com uma leva de outros títulos bastante populares, destinados às mulheres "modernas e independentes". Porém, os anos passaram. E quase uma década depois, para minha surpresa, eis que encontro o livro de Estés vendido na prateleira de "auto ajuda". Importante dizer que na primeira "febre" dos livros de auto-ajuda, era possível encontrar muita coisa interessante e bem estudada, vendida sob tal catalogação.

Este ano, fui atrás de mais um volume do livro, para dar de presente. Agora, eu o encontrei na seção de "livros técnicos de psicologia", e confesso que achei engraçado. Talvez porque o livro seja tudo isso, dependendo de quem o lê. Ele é um livro "feminista", na medida em que motiva e incentiva a mulher a encontrar o seu lado "selvagem", criativo, forte, protetor, rebelde, tanto quanto exorta cada mulher a expressar criativamente as suas emoções, seja plantando o mais belo jardim, escrevendo poesias, pintando, cantando, ou qualquer outra forma de arte. Mas também é um livro de "autoajuda", se o lemos com empatia e com o coração e alma abertos ao aprendizado. E sem dúvida é um livro "de psicologia", pois Estés é uma PH.D. em análise junguiana, que são utilizados para um estudo profundo de cada um dos dezenove contos analisados, todos correlacionados com casos práticos, e que nos remetem à utilização do arquétipo ao sentido da vida individual. Neste último parâmetro (e respeitadas as diferenças), o trabalho de Estés segue a mesma linha de análise narrativa, dos livros de Campbell (O PODER DO MITO, entre outros): primeiro a narrativa mitológica, depois a análise psicológica, por fim a inserção do mito na vida cotidiana.


O livro inicia com uma pequena introdução, e depois a análise do primeiro conto, o Barba Azul.
E foi exatamente neste primeiro conto que, na primeira leitura, eu parei e nem sei direito dizer qual motivo. Só tempos depois, ouvi algum outro comentário e lembrei do livro esquecido na estante.
Desta feita, fiz diferente: pulei o primeiro conto do Barba Azul, e reiniciei a leitura a partir da análise do segundo conto. Foi como se janelas imensas abrissem para mim, não consegui mais largar o livro até terminar a última página, e ainda voltar para ler o primeiro conto que tinha pulado (e que, desta feita, li inteiro sem problema algum...). O curioso é que, nos anos que se seguiram, encontrei outras mulheres que também leram e amaram o livro, mas que tiveram exatamente a mesma dificuldade: só conseguiram pegar o ritmo de leitura, quando começaram a ler, a partir do segundo conto, deixando o tal Barba Azul por último. Nenhuma de nós soube explicar o porque. Ficou a incógnita!

Meu volume é até engraçado... Verdade que tenho a mania de fazer algumas poucas anotações nos livros que mais gosto, para achar esse ou aquele pensamento do autor, rápido, em uma segunda leitura. Sim, gosto de reler meus melhores livros, mas então o faço em pedaços, selecionados ao gosto do momento. Às vezes, marco uma frase ou aponto um parágrafo. Às vezes, colo um marcador adesivo colorido, para poder abrir direto na página que já sei que vou reler. Se a idéia é engraçada, desenho um smile sorrindo. Ou marco pontos de exclamação, para aquilo que é um aprendizado surpreendente.

Em MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS, parece que fantasiei o livro prá pular carnaval... Hà anotações à lápis, inúmeros marcadores adesivos coloridos, itens e mais itens. Nem sei porque marquei tanta coisa, porque quando estou desanimada e precisando de consolo, meu prazer é abrir o livro ao acaso e reler o que a sorte indicar. A pesquisa de Estes é tão extensa, e sua análise tão profunda, que cada releitura acaba por trazer novas associações.

O que me fascina no trabalho de Clarissa Estes, é a forma como ela rejeita os padrões de beleza e "sucesso" (não encontrei termo melhor...) da mídia contemporânea, e segue fundo para arquétipos que falam na alma feminina. Os lobos, significando a natureza rebelde e selvagem, são uma imagem poderosa. Mas também o "cantar sobre os ossos" ao se referir aos mistérios da vida e da morte, o "clã das cicatrizes" sobre o valor da experiência de vida, a forma como aborda a velhice como um momento de sabedoria e conhecimento, seu enfoque da alegria de viver, e dos cuidados necessários com os "predadores" violentos e perigosos que espreitam as mulheres, e de como identificam suas vítimas. Em cada conto, em cada análise, um pouco de sabedoria. Este é o livro que eu recomendo... mas nunca empresto, jamais sai da minha casa, de seu lugar seguro na estante.






Complementando: leio o livro MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS em português, na tradução de Waldéa Barcellos, editado pela Editora Rocco, Rio de Janeiro em 1999, 12ª edição da coleção Arco do Tempo.




terça-feira, 19 de março de 2013

RAÍZES DO OCULTO, a verdadeira história de Madame H. P. Blavatsky, de Henry S. Olcott

Não sou nenhuma conhecedora de ocultismo, porém a temática das heresias sempre me atraiu. Esse o pano de fundo do interesse em ler alguma coisa sobre as sociedades teosóficas, assim como já tinha lido algo sobre a nova era e os movimentos wicca, esporadicamente. Afinal, no quê acreditar, quando a fé é livre?

Partilho a idéia de que a liberdade e a saúde são os estados naturais para cada um de nós. Ou, em outras palavras: que quando estamos saudáveis, e/ou livres, simplesmente não nos preocupamos com isso, porque então estamos no nosso "natural". Ninguém que acorde bem disposto e cheio de saúde, passará o dia pensando como é bom não ter dor de cabeça, dor de dente, dor de ouvido, problemas nos rins ou unhas encravadas. Se estamos saudáveis, vamos nos preocupar em viver a vida, trabalhar, estudar, curtir o presente e planejar o futuro. Mesma coisa com a liberdade, que não conseguimos mensurar até o momento exato em que somos cerceados. Assim somos nós, humanos. O que nos é essencial, só conseguimos perceber e mensurar com clareza, quando nos falta.

Além disso, sem fontes fidedignas, conhecia um pouco do histórico de época, de que as sociedades teosóficas, ao final do século XVIII, reuniam intelectuais insatisfeitos com os rumos do espiritismo, que consideravam vulgarizado pelas sessões em busca de comunicação com os parentes mortos, mais das vezes para simples colóquios saudosistas considerados de interesse restrito e mesquinho. Eles queriam mais, queriam tornar sua fé e crença, também uma filosofia e uma ciência.

Foi em um sebo que encontrei uma biografia de Madame Blavatsky, que até então só conhecia por reputação, informando a orelha do livro que se tratava de texto histórico, escrito pelo homem que financiou suas pesquisas esotéricas. Com o título RAÍZES DO OCULTO, A VERDADEIRA HISTÓRIA DE MADAME H.P.BLAVATSKY, autor Henry Steel Olcott  (que li em português, com tradução de Alcione Soares Ferreira, em uma edição de 1983 pela Editora Ibrasa, Instituição Brasileira de Difusão Cultural S/A).

O livro é curioso. Escrito com o coração e muita empolgação, Olcott passa melhor o entusiasmo pela causa e a expectativa de resultados impressionantes a curto prazo, do quê a biografia ou o registro do momento histórico que pretendia retratar. Mais do que acreditar nos poderes de Blavatsky, ele acreditou que ela seria capaz de comprovar irrefutavel e "cientificamente" a existência do oculto, de forma rápida e cabal.

Por isso, para o olhar contemporâneo, há passagens em que imaginamos se Olcott não compraria um "bilhete premiado" na próxima esquina, pois sua empolgação quase exige o engôdo. Não que eu discuta se Blavatsky tinha, ou não, mediunidade ou poderes paranormais. Mas porque se sabe que mesmo as pessoas dotadas de sensibilidade paranormal, não tem como garantir efeitos físicos e provas "com hora marcada", a quem queira ser convencido no horários de folga de seu expediente de trabalho.

Este, portanto, é um livro para ser lido dentro do contexto de época. Precisamos lembrar das aulas de história da antropologia (vendo como os primeiros antropólogos alçaram a ciência, o que para eles tinha muito do prazer de viajar e conhecer povos diferentes, de lugares remotos), de história da arqueologia (lembrando como os primeiros arqueólogos eram aventureiros amadores, empolgados em encontrar na realidade aquilo que até então se considerava a fantasia dos mitos e histórias da antiguidade), e de tantos outros interesses, crenças, curiosidades e senso de aventura que, naquele final de século, só poderiam ser considerados com seriedade e levantar fundos de pesquisa, se houvesse alguma forma de situá-los no campo das "ciências".

Por isso, considero que como uma "biografia de Blavatsky", este seja um livro pouco confiável. Pelo menos eu não tive coragem de formar opinião sobre esta mulher, a partir de um texto tão tendencioso.

Mas é um documento histórico valioso, se queremos entender o pensamento daqueles que, mesmo frustrados com as primeiras tentativas (as fraudes e mágicas, apresentadas como paranormalidade, existem até hoje...), efetivamente conseguiram tornar a parapsicologia uma ciência, ainda que seja um ramo de estudo cheio de controvérsias.




sexta-feira, 15 de março de 2013

Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, de Luiz Felipe Pondé

Ano passado, minha filha viajou para um congresso, encontrou o livro, na livraria do aeroporto. Folheou e achou que tinha "a minha cara". Emprestou para que eu o lesse... e quando o fiz, a sensação foi do mais puro ALÍVIO!

Não sei se consigo descrever o desânimo absoluto que me acompanhou no último ano de faculdade (Superior de Escultura/EMBAP).
Fui da turma de transição.
Do modelo "antigo" da estrutura do curso - que valorizava a experiência profissional, artistas lecionando a arte que dominavam -, para o modelo "novo"/CAPS - que valoriza títulos de mestrado & doutorado, embora estes não sejam "artistas" propriamente ditos, mas sim "pesquisadores de arte".

Não estava preparada para o tamanho, um verdadeiro abismo, que tal mudança significava.
Fiz os dois primeiros anos da faculdade faltando orelha pro tamanho do sorriso, encontrando no curso o que havia sonhado: modelo vivo na modelagem em argila e no desenho, pintura acadêmico/moderna, gravura, anatomia artística, história da arte e tudo o mais que me apaixonava.

Mas, de um ano para outro, tudo mudou.
A escola mudou de endereço, professores antigos obrigados a fazer mestrado em outro estado, e novos professores foram contratados dentro das "novas exigências", trazendo a tal mentalidade da "pesquisa poética", acadêmica, formal e teórica, como foco central de um curso antes essencialmente prático/artístico. Olhei a criatividade e a produção ser engolida por "teorias estéticas", fiquei deprimida com o isolamento competitivo que se instalou entre professores e entre os alunos, até hoje não consegui entender nem como artistas poderiam produzir em um sistema de estudo que despreza o processo criativo, tampouco porque tanta importância e prioridade à produção de textos acadêmicos que ninguém lê! Minha adaptação foi extremamente difícil, acabei por desistir de uma matéria, postergando mais um ano de faculdade e sofrimento até completar o tal do TCC...

O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, de Luiz Felipe Pondé, chegou às minhas mãos nos últimos meses do (meu, repetido) último ano, e foi deste texto retirei forçar para encerrar esse capítulo da minha vida.

O tema do livro, é a crítica ao que conhecemos/praticamos no cotidiano, como "pensamento politicamente correto".
Ou, sendo mais justa: a hipocrisia, as frases feitas, a covardia e a ignorância que acobertamos todos, através da "imagem bonitinha", padronizada e repetida à exaustão, do tal pensamento "politicamente" correto.

Eu "devorei" o livro, em menos de dois dias.
Há tempos eu perguntava, para mim e por aí, para onde tinham ido os carismáticos pensadores, os revolucionários filósofos, os rebeldes e surpreendentes artistas, os críticos sociais, que antes eram encontrados nos corredores e cantinas das faculdades. Mais de uma vez, achei que estava ficando velha ou resmunguenta, e que aquela imagem romântica da universidade repleta de conhecimentos era simplesmente uma ilusão das memórias de juventude.

Depois de ler o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, deixei para trás essa sensação ruim, não estou "louca", não. Pondé também analisa (e denuncia) como as universidades, na última década (ou mais?), deixaram de ser o lugar de exercício do livre pensamento, o lumiar das novas idéias, para se tornar "cabide de emprego" burocrático, um tipo particular de "escada social", o que hoje se faz produzindo em série o tal "pensamento politicamente correto" repetitivo e emburrecedor.

Confesso que ler tal opinião, de um renomado e laureado filófoso - na ativa -, foi aliviante e recompensador.
Ele falava das faculdades de filosofia, nas eu assistia idêntica situação na faculdade de arte: o vazio das discussões acadêmicas, a superficialidade dos temas estudados, a repetição incessante de lugares comuns, a competitividade estéril, a dissociação com a realidade.





Depois deste primeiro contato com a obra do filósovo, li ainda CONTRA UM MUNDO MELHOR (também de Luiz Felipe Pondé).

Ano novo, vida nova, esta semana estou terminando o POR QUE VIREI À DIREITA - Três Intelectuais Explicam sua Opção pelo Conservadorismo, de João Pereira Coutinho/ Luiz Felipe Pondé/ Denis Rosenfield (Ed. Três Estrelas, 2012).

É um livro bem interessante, considerando que comecei a ler logo após a visita da cubana Yoani Sánchez (e fiquei muito chocada quando movimentação popular a impediu de falar, pelo menos uma vez... no Brasil? AQUI??? Não conseguia acreditar!); seguido do anúncio da morte do presidente (ditador?) venezuelano Hugo Chavez; e durante a eleição do papa, que argentino e enquanto cardeal, opunha-se ao controvertido governo de Cristina Kirchner, e das controvertidas denúncias que no passado teria apoiado a ditadura militar de seu país; e, claro, leio o livro num período em que meu próprio Brasil já começa a discutir a próxima eleição presidencial.

Quer momento melhor para ler sobre "a direita" e "a esquerda" política?

Gostei muito do posicionamento dos autores. Há dois anos, havia lido um trabalho muito interessante, sobre os intelectuais franceses no fim da II Guerra, do seu "namoro" distante e  idealista com um comunismo que nunca deu certo na prática. Pois o livro POR QUE VIREI À DIREITA, tem mais ou menos o mesmo enfoque: questiona o que existe de novo (se é que existe algo realmente "novo") entre o comunismo do século XX, e sua continuidade no "socialismo do século XXI", aponta várias falácias ao "consenso do bem comum", tudo temperado com relatos da vida e experiência pessoal de cada um dos autores. Um leitura rápida, gostosa... e essencial prá quem precisa embasar uma opinião contrária ao "senso comum"/vulgo burrice institucionalizada. (E quem não precisa disso, afinal?)








sábado, 9 de março de 2013

O SENSUALISTA, de Bárbara Hodgson

Este é mais um livro da minha lista de romances interessantes de ler, aprendendo algo de que sabia muito pouco.

A proposta de O SENSUALISTA, UMA HISTÓRIA DE MISTÉRIO, é interessante e ousada: uma história de mistério, com toques de paranormalidade, com exacerbação de cada um dos sentidos: visão, olfato, audição, paladar e tato. (Leio o livro neste começo do ano, em português, constando que foi traduzido por quatro pessoas: Felipe Lindoso, Dinah de Azevedo, Adail Sobral e Renata Nagnolesi, na edição de 1998 da Editora Marco Zero).

A edição é primorosa. Não só pela capa mais dura de que tenho lembrança para um livro de "tamanho normal", mas principalmente pela beleza e colorido das ilustrações, com destaque para os desenhos de uma cabeça lá pela página 122, montada em três pranchas sobrepostas.

O pano de fundo da história, são os mistérios da (pouco conhecida) vida de Andreas Vesalius, um anatomista que começou a publicar em 1538, foi professor de cirurgia em Pádua e quebrou a tradição ao fazer, ele mesmo, a dissecação de um cadáver na frente de seus alunos, ao invés de simplesmente dirigir a sessão de um púlpito elevado, contestou e corrigiu Galeno, que até então, decorridos mil e quatrocentos anos, ainda era venerado como mestre supremo. Vesalius, portanto, faz parte da geração que precede e embasa o desenho de anatomia, pela via da dissecação de cadáveres, prática que será seguida mesmo sob a perseguição da Santa Inquisição, por nomes do porte de Leonardo da Vinci, entre outros.

A história, entretanto, passa na contemporaneidade. Trata de uma jovem que, cansada de um casamento com um jornalista eternamente ausente e agora desaparecido, resolve procurá-lo para decidir, de uma vez, a separação. Tudo começa quando ela toma um trem para Viena, e assim inicia uma estranha viagem, conhecendo personagens cujas vidas se entrelaçam de forma nada sutil em volta de um mistério que sempre remete ao roubo das matrizes medievais das gravuras de Vesalius, e a experiências sensitivas paranormais, tudo em uma trama com um espírito surrealista e toques macabros.

Mas confesso que, acostumada às tramas de suspense de Stephen King, de Fellita, ou à fantasia de Anne Rice ou Marion Zimmer Bradley, achei a trama um tanto cansativa a partir da metade do livro. Em vários momentos, senti mais curiosidade pela reconstituição da vida de Vesalius, que se torna parte essencial na solução do mistério em que a personagem se vê envolvida, do quê o destino que a escritora dará aos inúmeros personagens que criou.

Entretanto, para quem (como eu) nunca tinha ouvido falar de Vesalius e pouco conhecia sobre os anatomistas medievais, ou como eram realizadas as gravuras dos desenhos sobre dissecações, ou ainda, que gosta das edições experimentais de texto e imagem em romances, o livro é ótimo!




UM RARO E ESTRANHO PRESENTE, de Pauline Holdstock


Há uma artista medieval cuja vida me fascina, mas praticamente não encontro informações sobre ela. Chama-se Artemísia Gentileschi, que viveu em plena Renascença, Itália do século XVI, pintou várias versões de “Judite e Holofernes”, alguns quadros sobreviveram até a modernidade.

Pois em UM RARO E ESTRANHO PRESENTE (li em português com tradução de Marina Slade, editado pela Bertrand Brasil em 2008), Pauline Holdstock criou a personagem Sofonisba apropriando-se do pouco que se sabe da vida de Artemísia, e inventando toda uma trama ao seu redor.

A história é primorosa, o texto tem uma linguagem docemente sensual, a Florença renascentista brota a cada página. A trama tem doses corretas de romance, estupro, ciúmes, desencontros, reconstituição de época e da paixão dos artistas pelas cores, formas e descobertas estéticas do Renascimento. Há um feminismo essencialmente moderno na personagem, mas verossimel pelo pouco que se conhece da artista que inspirou a trama. Os personagens tem aprofundamento psicológico, sentimos suas contradições, tão humanas, fluindo pelo texto. Por sua vez, o “raro presente” é uma história dentro da história, fala de uma moça simples, bela e meiga, mas com a pele estranhamente marcada, que raptada ainda criança, foi dada de presente a um nobre como fosse um animal exótico, e passando vários percalços acaba transferida de mãos em mãos até parar como modelo e criada do casal protagonista.

Para quem gosta de literatura e da arte renascentista italiana, esse é um romance para esquecer do mundo e viajar para outro tempo. Lindo.


E mais, um quadro de Artemísia Gentileschi, que encontrei na Internet para ilustrar esse comentário.


Artemísia Gentileschi

A BRUXA DE KEPLER, de James A. Connor


 

Eu conhecia um pouco da vida de Copérnico, e outro pouco da vida de Galileu Galilei. E em ponto de vista extremamente pessoal, sempre achei o primeiro mais inteligente do que o segundo. Sinceramente, fosse eu a viver à sombra da Santa Inquisição, com a certeza da morte na fogueira caso divulgasse minhas idéias, possivelmente também as escreveria em segredo, para só serem divulgadas após a minha morte. Alguns diriam que é covardia. Eu chamo de sobrevivência.

Mas, opiniões à parte, conhecia muito pouco da vida de Kepler, até encontrar a biografia romanceada de James A. Connor, intitulada A BRUXA DE KEPLER (em português com tradução de Talita M. Rodrigues, Editora Rocco2004). Sequer sabia que Kepler e seu amigo e patrono Tycho, contemporâneos de Galileu, foram tão importantes quanto este último para a comprovação científica e divulgação das teses de Copérnico.

A compra foi curiosa. Estava acompanhando um namorado, para assistirmos juntos uma palestra sobre artes marciais orientais que acontecia em uma livraria esotérica afastada do centro, e que eu não conhecia. Gostei do lugar. Era uma casa antiga, um sobrado pequeno ainda com a disposição arquitetônica dos cômodos originais, a entrada com uma escadinha lateral e minúscula varanda coberta. A casa tinha um saguão de entrada e duas salas de porte médio, onde funcionava a livraria propriamente dita, com prateleiras e estantes dispostas em um ambiente gostoso, exótico, cheio de imagens indianas, incensos queimando, e cantinhos de leitura enfeitados com cristais e plantinhas. Havia vários títulos de publicações alternativas, farto material esotérico, alguns poucos livros de arte e literatura. Mas este livro estava em uma prateleira de assuntos diversificados. Li a orelha sem muita atenção, paguei correndo porque a palestra já ia começar, e por isso não imaginei que levaria para casa mais do que um simples livro de ficção, com uma bruxa qualquer como personagem central.

Só no dia seguinte, folheando e começando a leitura do livro, descobri com surpresa e alegria que havia feito uma excelente compra. De fato, é a biografia de Johannes Kepler, astrônomo e astrólogo contemporâneo de Galileu Galilei, um dos maiores visionários de seu tempo. O título evoca toda a intriga religiosa do século XVII, a consolidação do protestantismo na Europa, de sua rivalidade e dos conflitos com a secular igreja romana, ao fato do próprio Kepler ter sido um homem de profunda fé cristã, e um protestante que muito interessava aos jesuítas. Mas refere-se, diretamente, ao fato de sua mãe Katharina ter sido acusada e julgada por bruxaria. Por fim, o próprio Kepler seria excomungado de sua igreja por suas heréticas idéias, por toda uma vida pesquisando provas de que a terra não era o centro do universo, mas sim girava em torno do sol, e por sua insistência em ver Deus revelar-se mais pela harmonia do Universo, do quê creditando ao homem o título da maior criação divina.

As intrigas religiosas são parte importante da biografia, ao focar a dependência dos homens de ciência nascidos no Renascimento, das benesses e do mecenato pelos homens de fortuna, quer fossem nobres, quer fossem os poderosos da igreja. Neste ponto, ler a biografia de Kepler assemelha-se às de Michelangelo, Da Vinci ou Caravaggio. Nenhum deles é realmente livre para exercer seu ofício ou sua arte, todos dependem da boa vontade, do acolhimento e da remuneração de algum poderoso. E assim, as intrigas passam a ser parte inerente de suas biografias, e que, penso, não podem ser entendidas sem o contexto de época. É impressionante o que Kepler consegue fazer, considerando a imensa quantidade de dificuldades, problemas e conflitos que cerca toda a sua vida. Mas terminei o livro com uma sensação de empatia, pensando se, para ele, a persistência não adveio da sensação reconfortante de olhar a imensidão do universo, aparentemente tão mais calma e perfeita do quê a mesquinhez da realidade cotidiana.
 


quarta-feira, 6 de março de 2013

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO SÉCULO XXI

Vou falar de... NOVELA, acredita?


Mas eu queria agradecer aos autores de LADO A LADO, uma novela que passa na Rede Globo de Televisão e está na última derradeira semana, pelo trabalho primoroso.

Novela de
João Ximenes Braga
Claudia Lage
Escrita com
Chico Soares
Douglas Tourinho
Fernando Rebello
Jackie Vellego
Maria Camargo
Nina Crintzs
Supervisão de Texto
Gilberto Braga

Vi muito pouca divulgação sobre essa novela. Algo que lamento, porque foi um trabalho muito bonito, levantou temas importantíssimos para compreender a contemporaneidade, e merecia mais divulgação/discussão do que efetivamente recebeu.
(site oficial, prá quem quiser conferir: http://tvg.globo.com/novelas/lado-a-lado/creditos.html)


Há muito tempo não assistia novela.
Em parte, porque mamãe faleceu... Durante anos, assistirmos juntas a alguma novela para comentar nos telefonemas diários, era parte da nossa rotina. Gostava especialmente das novelas de época (como é o caso do Lado a Lado), porque traziam as lembranças da juventude dela, e comentários muito peculiares.

Lembro da vez em que deu risada de uma personagem de época que pegava o ônibus para ir a algum lugar do Rio de Janeiro: naquela época, não haviam ônibus, só trem. Da saudade dela dos vestidos balão com sapato de boneca e meias três-quartos, das aulas dadas nas escolas rurais sempre distantes, dos cursos de férias na capital. Também haviam as lembranças do tempo de guerra, de quando minha mãe se voluntariou para servir de enfermeira e lutar contra o demoníaco Hitler, e vovô proibiu terminantemente, restrição que ela só iria entender no fim do conflito, quando toda a cidadezinha de interior onde então morava se mobilizou para a festa de chegada de seus "heróis-soldados", a banda no coreto tocando a todo vapor, bandeirinhas enfeitando a estação de trem, a expectativa de toda a pequena população...e então o trem chega, para, abre as portas... e uniformizados, descem os aleijados, homens com braços e pernas faltando, e pior ainda, os ostensivamente loucos dando risadas histéricas, e tudo o que mais de deprimente se possa imaginar dos cacos humanos que a guerra devolve.

Conversávamos tanto!
A novela, nada mais que um pretexto.
Depois que ela faleceu, olhei as novelas como mera distração, e nenhuma me interessou.


Não que não goste de novelas.
Na verdade, acho que tanto novelas como minisséries, tem sua função, e podem ser uma forma divertida de aprendizado e de discussão de temas sociais e/ou polêmicos.
E não acredito que SÓ o meio de comunicação - no caso, TV aberta -, por si só possa ser eleito razão suficiente para endeusar ou menosprezar qualquer trabalho. Sempre achei bobagem querer um julgamento único e final a um trabalho artístico, pior ainda se o único critério é seu sucesso de público.

Mas... há anos não as assistia.
Porque o enredo não interessou, porque cansava de ficar no sofá, porque... porque...

Mas neste fim de ano, usufruindo das minhas curtas férias, ligo a televisão esperando o jornal local que começa em seguida.
E lá está, na novela de época: início do século XX, e a jovem... DIVORCIADA?
Como assim?
Erro crasso, não há "divórcio" nesta época!
Existe, sim, o desquite, e é outro regime jurídico, diferente...

Fiquei tão brava com o erro, que passei a ligar a televisão mais cedo, para conferir se o erro era mesmo um erro, ou se não fui eu a escutar errado.
Pois bem: havia escutado certíssimo, e o equívoco foi repetido várias vezes. Minha filha comentou que houve até manifestação "facebook" sobre a mesma questão.

Porém...

Até agora, penso se não foi proposital, um erro prá chamar a atenção de pessoas... como eu.
Porque desde então, passei a assistir a tal novela, encantada com o enredo, com o figurino, com a forma delicada de tratar questões tão polêmicas, posições tão extremadas na época que repercutem até hoje na sociedade, sutil mas igual. Feminismo, escravatura, preconceitos de todos os tipos, carnaval e cordões de rua, o início das favelas, o (sempre difícil) saneamento básico, o abismo das classes sociais.

E o que é aquele guarda roupa da Camille Pitanga/Isabel?  PURO ART NOUVEAU, que coisa maisssss linnnndaaaa, eu babo de olhar! Ah, sim, tbém quero um teatro prá mim. Um teatro pequeno, com atores dramáticos no palco e na vida real!



(do figurino, veja também http://tvg.globo.com/novelas/lado-a-lado/Fotos/fotos/2012/11/poderosa-isabel-volta-da-europa-ainda-mais-linda-e-com-visual-repaginado.html, e ainda http://tvg.globo.com/novelas/lado-a-lado/Fotos/fotos/2013/01/isabel-danca-para-constancia-e-revela-todos-que-ex-baronesa-roubou-elias-quando-era-bebe.html)


E nesta última semana, pasmem, lembraram até dos hospícios!, a sentença de morte branda tão comum para a época. Assisto, lembrando de Camille Claudel, 30 anos confinada aguardando a morte, ela como tantas outras mulheres de alma livre e opinião forte. Lembrei também de Nise da Silveira, e do trabalho no Museu do Inconsciente.

Mas não é fácil chegar a tempo de assistir ao capítulo. A novela passa no horário das seis, mas "seis" é o horário mais cedo que consigo terminar meu expediente aqui no escritório. E ainda tenho que voltar prá casa! É uma novela prá conseguir assistir a novela. Uma desculpa e um jeitinho de sair minutos mais cedo, correndo pro ponto de ônibus e torcendo prá não encontrar nenhum engarrafamento pela frente, descer atropelada as quadras até em casa e, com sorte, ainda pego a parte final da novela.
No fim, é divertido, inusitado.
Foi um jeito delicioso de começar cada noite.
E porque não?




O MAPA QUE MUDOU O MUNDO, de Simon Winchester

Se há uma maneira deliciosa de aprender sobre algo que verdadeiramente não se sabe, é através das histórias romanceadas. Comecei este costume com arqueologia: lia os livros de pesquisa, do mesmo jeito que lia romances ambientados, sem contar os inúmeros filmes ao melhor estilo "Indiana Jones".

Mas fui adiante, e passe a procurar, também, livros romanceados sobre assuntos dos quais nada conheço.
É uma aventura interessante. Como abrir janelas para um mundo desconhecido, descobrir como vidas inteiras foram dedicadas a algo que eu nunca tinha realmente prestado atenção.

É o caso do romance de Simon Winchester, O MAPA QUE MUDOU O MUNDO - Willian Smith e o nascimento da geologia moderna (em português, com tradução de Suyan Marcondes Orsbon, editado pela Editora Record, 2004).

Comprei o romance em abril de 2011. Chamou a atenção a edição curiosa: a contracapa, com suas tradicionais orelhas, foram impressas em papel de qualidade (tamanho A2, acho) sobre cópia do mapa de que trata o livro, devidamente dobrada. A gente compra o livro, mas junto ganha um "poster".

A história, que narra a vida de William Smith com suas descobertas e o esforço de publicação de seus mapas, está exatamente no meio termo entre ficção e ensaio. Tudo se passa na virada do século XVIII e início do século XIX, onde pesquisas científicas sobre fósseis ainda poderiam ser compreendidas como uma heresia. Isso porque ainda havia uma maioria de pessoas que acreditavam no dogma medieval cristão, de que o mundo como o conhecemos foi criado há 5 mil anos atrás.

Portanto, William Smith, pesquisando fósseis e rochas, e tentando entender a evolução da terra, o fez caminhando em terreno muito perigoso. Esta a ciência que, nas décadas que se seguiram, comprovou o erro de cálculo feito nos mosteiros medievais, a partir de interpretações bíblicas, para fixar a idade do mundo. Mas se hoje isso é um fato óbvio, na época de Winchester o assunto era um tabu quase absoluto.

Outra curiosidade do texto, é a construção das sociedades científicas da época, sua política de inclusão e exclusão e as fofocas de bastidores das fortunas e dos plágios na Sociedade Geológica de Londres, onde Smith batalhou por reconhecimento público.

Incrível como um livro biográfico, que conta a história da construção de um grande mapa (publicado em 1815, pintado a mão), possa ser tão interessante. A vida de Willian Smith, porém, nada tem de trivial: além das dificuldades inerentes da empreitada a que se propôs por toda uma vida, enfrentou ainda a doença mental de uma esposa ninfomaníaca, desemprego, falência, plágio de seus trabalhos e melhores obras, o repúdio de seus pares, terminando com a superação e o reconhecimento público tanto de suas descobertas como de sua persistencia.

Para mim, filha de uma época onde se supõe que os mapas se originem de fotografias tiradas por distantes e potentes satélites, foi uma surpresa envolvente ler da vida aventuresca dos primeiros exploradores, e das inúmeras dificuldades, mas com uma vivência gloriosa, daqueles que desenharam e pintaram à mão os primeiros completos mapas geográficos/geológicos da era moderna.

(Em compensação, quando terminei a leitura, fiquei um tantinho triste, pensando em quão modesta é a minha contribuição para este mundo, quando comparada com o esforço de um Willian Smith... Esta é a parte "chata" em ler livros escritos com base em eventos reais, porque não consigo me furtar às comparações subsequentes, esta época e aquela época, estes valores e aqueles valores, minha coragem e o desafio de outros. Ainda acho que nasci no século errado.)




segunda-feira, 4 de março de 2013

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO SÉCULO XXI

Semana passada alguém me perguntou (com aquele jeitinho básico de deboche...), se eu acreditava em alienígenas. Nenhuma vontade de discutir, então só respondi o básico: "o universo é grande demais para acreditar que só existe vida inteligente na Terra".

Mas o que eu acredito, é bem diferente.
Há uma coisa de que gosto muito, neste início de século XXI: qualquer um de nós pode acreditar no que quiser. 
Acho que isso se dá, em parte, pela tecnologia de comunicação. Há um senso de magia em ver som e imagem através dos rádios, televisores, cinemas, telas de computadores e afins. Há uma dificuldade real em distinguir o que é verdade, o que é mentira e o que é ficção, dentro da massa excessivamente informativa diariamente distribuída por esses meios de comunicação. O resultado, penso, é que posso acreditar no que eu quiser. Ou não acreditar. Não faz diferença.

Prá mim, a possibilidade de vida inteligente alienígena parece... algo natural. E também explica aquela sensação incômoda, de que "deus existe, mas não se importa". Porque quanto mais comparo o tamanho da Terra com o do sistema solar, e então com a galáxia, e então com o universo que tão pouco conhecemos, tanto mais parece exdrúxulo que o Grande Senhor do Universo, o Criador de Todas as Coisas, fosse se preocupar com o que cada individuo faz ou pensa em sua vidinha cotidiana, seguindo um conjunto de regras que nem sempre atentam à natureza que - em tese -, também foi Ele quem criou. Mas consigo imaginar a presença de energias protetoras nesta função, anjos, santos, entidades boas e más. E consigo imaginar a presença alienígena... porque não?

O que leva a outro pensamento.
E se nós/humanos, formos a "raça alienígena" deste planeta?

Quando penso nesta hipótese, claro que penso na coincidência inexplicada, de que só a espécie humana desenvolveu linguagem, raciocínio e tecnologia como os humanos o fizeram. Concordo com a idéia de que, se isso é uma evolução "natural", haveriam outras espécies animais igualmente capazes de um desenvolvimento intelectual compatível com o nosso.

Mas não é só.

Todas as religiões que conheço, prometem que a "alma imortal" irá deixar essa Terra para, através de uma "evolução espiritual", chegar num tal "Paraíso" que fica bem longe daqui.  
E não é raro encontrar a definição da Terra, ou a imersão da vida dentro de um corpo físico, vista como um "castigo divino".
Porque?
Se somos animais "da terra", porque olhamos o espaço com tamanho saudosismo, construímos as ilusões de perfeição nas estrelas, lugares até hoje inatingíveis, dando tão pouco valor àquilo que é natureza/natural?


E quanto conhecimento, já não perdemos nesta longa trajetória?
As recentes descobertas arqueológicas (que me fascinam, aliás), estão datando construções megalíticas em 12 a 15 mil anos atrás. Construções com o corte, transporte e encaixe de pedras tão monumentais, que nenhuma tecnologia atual conhecida seria capaz de reproduzir. 
Mas são civilizações extintas. Povos de que não sabemos sequer os nomes, muito menos suas histórias ou crenças. São agora, apenas construções, tantas delas submersas, uma presença fantamasgórica que ecoa um poder imenso hoje perdido no tempo.

Quem eram eles?
Quanto não sabemos, de nossa própria história?

É tanto, mas TANTO tempo, que qualquer coisa pode ter acontecido nestes milênios.
Não acredito, tratando-se de humanidade, em evolução linear. 
Somos uma espécie que... esquece. Esquece tudo, no passar das gerações. Esquece a história, erros e acertos, o nome de seus ancestrais, os aprendizados.
E, na história conhecida da humanidade -tantas vezes!, nos orgulhamos de esquecer. Em nome de um novo deus, um novo governante ou uma nova idéia, alegremente apaga-se o passado como se jamais tivesse existido, junto com tudo o que esse passado represente, inclusive seus aprendizados.
Como espécie, quanto já soubemos, e quanto conhecimento já se perdeu?

Talvez, já tenhamos viajado pelas estrelas. 
Talvez, já tenhamos convivido com alienígenas.
Talvez, nós mesmos sejamos, em parte, alienígenas vivendo o exílio de um paraíso esquecido.
Quem pode saber?