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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

DARKOVER - Marion Zimmer Bradley

Poucas autoras tiveram tanta influência na minha vida, como Marion Zimmer Bradley.

Digo "na vida", mesmo, porque as obras desta autora foram muito além da simples literatura. Por décadas, suas histórias me acompanharam, reli quase todos seus livros pelo menos três vezes. Adaptei o Juramento das Amazonas Livres para minha própria vida. E por fim, dei à minha personagem principal um nome composto, na forma como as Amazonas Livres o fariam.

Mas ano passado, numa tarde ociosa, fui pesquisar o que existia de comentários sobre minha autora favorita, até encontrar um comentário que me deixou indignada!
Alguém lia Marion sem conhecer as linhas de suas séries, as sequências de seus trabalhos!

Já escrevi sobre os livros interessantes que li nestas férias. Mas ainda não escrevi sobre os livros que inspiraram a vontade de escrever, ou explicar a quem interesse (ou talvez, apenas a mim mesma...), o que é a série DARKOVER, a ficção científica desta autora que é mais conhecida por sua reconstituição histórica (e herética) da história do Rei Arthur, na série em quatro volumes das BRUMAS DE AVALON.

DARKOVER é uma outra história, apenas ficção, sem a reconstituição histórica que marca alguns de seus livros mais famosos (como as Brumas de Avalon, ou O Incêndio de Tróia).

Marion definiu DARKOVER como ficção "comportamental", ou seja, uma ficção científica que valorava mais o comportamento humano ante novas tecnologias, do que a tecnologia em si.
Na época, uma inversão revolucionária, pois os autores famosos da ficção científica - que Marion leu e cita como referência de grandes mestres -, consideravam os avanços científicos como a razão das possibilidades infinitas do futuro.
Mas ao contrário destes grandes mestres da ficção científica, Marion tem uma visão parecida com a de MC LUHANN ou HUXLEY (Admirável Mundo Novo), outros dos meus autores favoritos. A idéia da "ficção científica comportamental" é o questionamento sobre como o uso de novas tecnologias, modifica quem somos, como percebemos a realidade, excluindo o enfoque entusiástico e tendenciosamente otimista dos discursos consumistas que acompanharam a propaganda de tais mudanças.

Para desenvolver essa idéia, Marion criou DARKOVER.
Em português, foram traduzidos dez livros da série, e são estes que eu conheço.
Todos os livros podem ser lidos de forma independente... mas não resta dúvida que são muito mais saborosos,quando lidos em sequência.

A história começa com A CHEGADA EM DARKOVER.
 É um livro pequeno, o menor de toda a série.
Conta a história de um grupo de cientistas, astronautas e colonos, que partem em busca de um planeta demarcado, onde os colonos iniciarão um assentamento humano.Porém, toda a avançadíssima tecnologia de viagens espaciais com que os humanos interagem nos muitos planetas conhecidos das galáxias próximas, na história que passa num império extra mundos em expansão, não consegue impedir um acidente com esta nave, que acaba pousando em um planeta desconhecido, não formatado nos mapas, sem acesso à comunicação interplanetária. Os cientistas vêem-se incapazes de consertar os estragos da nave, e ficam confinados ao lugar perdido. Mas os colonos, cujo destino era mesmo povoar algum planeta distante, não vêem diferença em assentar neste lugar desconhecido, ou em qualquer outro. Depois de alguns contratempos, os colonos decidem ficar por ali mesmo, já que o clima o permitia, e passam a chamar o lugar de Darkover. Neste meio tempo, Marion sugere que ali acontece primeira interação, entre humanos e uma forma alienígena feita de energia, como um fantasma.

A saga continua com a era do caos.
A população humana cresceu, formou aldeias e cidades, desbravou o planeta nas áreas habitáveis e demarcou seus lugares inacessíveis. Mas esqueceu suas origens.
Entre o povo, esporadicamente, nascem pessoas com poderes paranormais. E já se sabe que tais poderes são transmitidos geneticamente. Assim, as famílias onde nascem crianças com tais poderes, começam a promover casamentos entre parentes, no objetivo de fortalecer tais dons. E estas famílias tornam-se poderosas, estabelecendo sociedades feudais.

Porém, na era do caos, ninguém sabe com mediana certeza, quais são os dons possíveis ou como controlá-los, e por isso, as histórias deste período terminam em tragédias.
São romances da era do Caos: A RAINHA DA TEMPESTADE (sobre a jovem capaz de dominar as forças da natureza), e A DAMA DO FALCÃO (sobre a jovem capaz de se comunicar com os animais).

Conta a saga que, muitos séculos depois, os humanos "terráqueos", estendendo infinitamente o Império, finalmente descobrem DARKOVER. E se surpreendem como a população local é parecida com os próprios humanos, embora os considerem vivendo em uma sociedade de características medievais.

Nesta fase, séculos haviam passado desde a Era do Caos. Os darkovianos finalmente conseguiram identificar os portadores de poderes paranormais, suas ramificações, as fases de crescimento, loucura e desenvolvimento dos poderes, e a forma de controlá-los. Formam-se as castas reais, das famílias poderosas e donas de muitas terras, e as castas sacerdotais, que reúne, treina, potencializa e coloca a serviço da sociedade, a canalização da energia dos portadores de poderes paranormais.

Marion desenvolve a idéia de um futuro extremamente racional e tecnológico para a raça humana originária da terra/os terráqueos, e a contrapõe com uma civilização de características medievais, mas portadora de poderes paranormais fortíssimos, um segredo guardado ciosamente contra os invasores/os darkovianos.

Nesta sociedade "medieval", Marion recria e dá cores à opressão feminina, no universo da ficção. Em sua descrição do casamento formal, dito "di catenas", substitui o simbolismo (para nós tradicional) das alianças, para literais algemas (catenas), significando a prisão e a submissão da mulher na hierarquia patriarcal darkoviana. Em contrapartida, cria a  Guilda das Amazonas Livres, uma respeitada associação de mulheres adultas que conquistaram o direito de ser independentes, negociando com os poderes locais, que reúne as mulheres que vontade própria aceitem as regras rígidas da associação, a maioria fugida de maridos violentos, vítimas de trágicas histórias de opressão no passado.
Doutro lado, entre os "terráqueos", Marion aborda personagens que perfazem os questionamentos do pós-feminismo: o desprezo à vida familiar, a difícil conciliação entre a vida profissional e a vida privada, o desrespeito masculino no relacionamento a dois, e o cerceamento da intuição, sensibilidade e criatividade feminina no uso da alta tecnologia racional e computadorizada, e das burocracias e hierarquias da política de conquista espacial/imperial.

São histórias da chegada dos humanos, e da era de transição, DOIS PARA CONQUISTAR (que retrata o fim da Era do Caos), depois A CORRENTE PARTIDA (que prioriza a condição de submissão da mulher na sociedade patriarcal de Darkover), e A CASA DE THENDARA (que trata do choque de culturas, tecnológica e paranormal, sob a visão de duas mulheres, cada qual refletindo sobre o amor, a liberdade e os valores que defende).

Na última fase da série, terráqueos e darkovianos já compreenderam que são todos "humanos", embora não saibam explicar como tal realidade possa ter acontecido, mas há a hipótese de que a nave perdida de séculos atrás, tenha pousado no planeta até então desconhecido, e os darkovianos sejam descendentes dos primeiros colonos.
A interação dos dois povos, terráqueos e darkovianos, é fato consumado, embora exista preconceito dos dois lados: os terráqueos ainda consideram os darkovianos um povo atrasado e medieval, e muitos darkovianos consideram a vida dos terráqueos como insípida, fria e vazia. Isso não impede que darkovianos aprendam técnicas terráqueas, como no caso do acordo para transferência de tecnologia firmada entre médicos terráqueos e curandeiras Amazonas Livres. E isso não impede que terráqueos optem em viver com darkovianos, recebendo em troca um aprofundamento emocional e, para alguns, a descoberta de seus poderes psíquicos.
Do período, são os livros: A  CIDADE DA MAGIA (que trata conhecimentos paranormais dos darkovianos, agora deferidos a uma terráquea), A HERANÇA DE HASTUR (em torno do relacionamento de amor e ódio entre o império terráqueo e as famílias reais de Darkover), A TORRE PROIBIDA (que fala sobre a submissão dos magos ao poder dos reis, e da revolta de um grupo de paranormais poderosos que resolve, em ato de rebeldia, destinar seus poderes em favor do povo), e DESTRUIDORES DE MUNDOS (que fala da existência de outros seres fantásticos, em via de extinção, ocultos como lendas da própria Darkover).





E quer saber?
Comecei a ler Darkover, lá pelos anos 90. Quase quinze anos depois, ainda repito o Juramento das Amazonas Livres, e fico feliz em saber que segui, vida afora, os conceitos que desde então tocaram meu coração.

"Deste dia em diante renuncio ao direito de casar, a não ser como uma companheira livre. Nenhum homem me prenderá di catenas (com algemas) e não habitarei na casa de nenhum homem como uma barragana (amante). (...) Deste dia em diante juro que nunca mais serei conhecida de novo pelo nome de qualquer homem, seja ele pai, guardião, amante ou marido, mas apenas e exclusivamente como a filha de minha mãe. Deste dia em diante juro que não terei filho de qualquer homem, a não ser por meu próprio prazer e no meu tempo e opção; não terei filho de qualquer homem por casa ou herança, clã ou linhagem, orgulho ou posteridade; juro que somente eu determinarei a criação de qualquer criança que gerar, sem consideração pelo lugar, posição ou orgulho de qualquer homem. Deste dia em diante (...) presto o juramento de que só devo fidelidade às leis da terra como uma cidadâ livre deve fazer; ao reino, à coroa e aos Deuses. (...)




Fuçando na internet (depois de escrever, e semanas após editar esse post), encontrei no facebook um pósfácio de Marion Zimmer Bradley, sobre seu processo criativo. Gostei, transcrevo:

http://www.facebook.com/aquedadeatlantida
(Acessado em 25/03/2013)

POSFÁCIO DO LIVRO, DE MARION ZIMMER BRADLEY
Uma das perguntas que fazem e nauseiam os escritores é a seguinte:
- Onde vai buscar as suas ideias?
Quando respondo a esse tipo de perguntas tendo a ser mal educada e peremptória, pois parece que as "ideias" são uma espécie de praga repelente, totalmente estranha a quem fez a pergunta, sugerindo que ser capaz de ter "ideias" é pouco habitual. Ora eu não consigo sequer imaginar a vida sem ter,
mais ou menos de hora a hora, mais ideias do que poderei usar durante uma vida.
Mais racionalmente, sei que quem pergunta procura apenas,
ainda que não o explique de forma articulada, um vislumbre do processo criativo que lhe é desconhecido. E quando me perguntam de onde me veio a ideia para um livro como o Teia de Escuridão posso responder, sem faltar à verdade, que não faço ideia. De onde vêm os sonhos?
Uma das minhas recordações mais antigas, de quando era muito pequena, é a construção de estruturas enormes e imponentes com os muitos blocos de madeira que o meu pai, que era carpinteiro, nos oferecia como suplemento do pequeno e pouco imaginativo conjunto de cubos de construção que havia no quarto dos brinquedos. Quando me perguntavam o que estava a construir, eu respondia invariavelmente, "templos". A palavra era-me estranha; suspeitava que os templos eram "qualquer coisa parecida com igrejas" (que eu sabia o que eram) "só que muito mais". Lembro-me de ter visto uma imagem de Stonehenge e de a ter reconhecido. Só viria a ver essa construção quando já tinha quase cinquenta anos. No entanto, quando isso aconteceu,
continuei a sentir o mesmo "choque de reconhecimento".
Não me levaram muito ao cinema (e quando fui, vi sobretudo comédias e filmes de cowboys, que não tinham muito interesse para o tipo de criança que eu era) e, na minha infância, não havia televisão. Por isso onde teria eu ido buscar o desejo de imitar as estruturas imponentes dos templos Indianos ou Egípcios, com as suas longas filas de colunas e repletos,
imaginava eu, de um grande número de sacerdotes e sacerdotisas envoltos em longos mantos cujas cores definiam as suas funções?
As únicas imagens físicas da minha infância (estou a referir-me aos meus quatro anos, quando não conseguia ler mais do que Alice no País das Maravilhas) encontrei-as num livro de contos de Tanglewood, imagens de belas paisagens e de um mundo antigo que nunca existiu a não ser, talvez, na Ode on Intímations of Immorta-lity (um poema que sou muito bem capaz de ter ouvido ler antes de ser capaz de o compreender - a minha mãe era uma romântica). Mas eu sabia que aquele mundo de imagens existia; reconheci-o nas paisagens de Maxfield Parrish e, quando a minha imaginação (alimentada por Rider Haggard e Sax Rohmer), muito antes de eu ter descoberto a ficção científica através das revistas, começou a fervilhar com estas personagens e incidentes, creio que as coloquei no cenário dos templos e ambientes que construíra com os meus blocos de madeira, tal como um dramaturgo enquadra as suas personagens no palco de um teatro infantil que talvez tenha possuído na infância.
De onde vêm afinal de contas os sonhos? Só nessa fonte misteriosa poderei procurar a origem da "ideia" de Teia de Luz e Teia de Escuridão. E foi nessa mesma fonte que, anos mais tarde, fui inspirar-me para obter as visões que me proporcionaram as BRUMAS DE AVALON.
De onde vêm os sonhos?

Marion Zimmer Bradley















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