Total de visualizações de página

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [5]




Você não gosta mais de mim.
Eu sei. Tudo bem.
Acontece assim mesmo! Amores vem, amores vão...

(...)
Claro que ta tudo bem! Tudo bem, você sabe...

(...)
Tá bem MESMO!, repito.
E repito tudo isso, desde a hora que acordo até, digamos, mais ou menos oito e trinta, quando chego à conclusão que pode estar tudo bem prá você, mas não está bem para mim.

(...)
Então, esqueço isso. Porque, você sabe, eu não gosto de me magoar. Eu me respeito, não sofro à toa, por isso, pelo menos por dez ou quinze minutos, realmente não penso nisso. NÃO MESMO! Digo para mim, que não estou pensando em você, porque estou preocupada com... Bem. Estou preocupada com outras coisas! E passo os cinco ou dez minutos seguintes pensando em quais eram mesmo essas outras coisas, e então EU REALMENTE NÃO PENSO EM VOCÊ.

(...)

Estou em aula, e não estou nem me lembrando que você existe. Afinal de contas, você não se interessaria mesmo por esta música em latim que estou aprendendo. Só MUITO RARAMENTE MESMO, senão vinte vezes em cada aula, eu lembro que gostaria de comentar com você um assunto, mas logo esqueço disso. Não tenho razão para imaginar que você gostaria de saber a minha opinião, sobre um assunto que não lhe interessa. Prefiro perguntar àquele colega, interessado em mim, aliás. Mas sinto pena, porque ele se veste mal. Se usasse coisas mais jovens, mais leves, como aquela blusa azul que você tinha, ficaria com melhor aparência. Ainda assim, penso em convidá-lo para tomar um refrigerante. Agora que estou COM O CORAÇÃO LIVRE E DESIMPEDIDO, posso convidar quem quiser, estou mesmo com vontade de voltar naquele barzinho que freqüentamos por tanto tempo.

(...)

Só às vezes, raramente, descubro que perdi um pedaço da aula, divagando bobagens. Então rasgo a folha em que fiquei escrevendo seu nome. É um gesto simbólico, porque rasgando a folha, lembro que já esqueci você, que não quero sequer ver seu nome na minha frente. E isso é sério!

Acho que estou no caminho certo, porque os únicos momentos de pura nostalgia, são aqueles no final da noite, sozinha na minha cama que agora parece fria e vazia. Mas sei que estou melhorando: não choro tanto, nem fico mais do que duas horas prá conciliar o sono. Acabaram-se as noites de insônia!

Já te disse que sonhei com você, ontem?

(Elaine Novaes Falco, CONFISSÕES, 1998)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [4]






EU SEI QUE NÃO ADIANTA TENTAR EXPLICAR!



Porque não? Porque sei que não adianta. E ponto. Por em palavras? Seria ridículo! Está bem... Porque as pessoas são tão curiosas sobre tudo o que não podem entender?!?

A paixão, para mim, é uma espécie de loucura, mas a única loucura que me faz viver. E paixão, naquela hora, era também esfregar na cara de todo mundo – DELES! -, que eu podia ser feliz, enfrentar tudo e viver minhas emoções mais intensamente do que todos eles. Sim, isso já faz algum tempo, mas foi um daqueles momentos que jamais se esquece, que permanece conosco, grudados, por anos a fio.

Ninguém tinha coragem, como eu, de viver completamente o presente. Fazer todas as vontades, por mais urgentes e desesperadas que fossem. ELES se escondem atrás de máscaras, e eu queria que vissem, QUE ELES VISSEM QUE EU ERA FELIZ E SEM MÁSCARA NENHUMA! -, esfregar essa felicidade goela abaixo, desprezá-los por suas vidas rotineiras, VIVER!, VIVER!, VIVER!

Traí. Eu sei que traí, que menti, que fiz qualquer coisa, mas estava sendo autêntica, estava tendo a coragem que ninguém tinha, de afundar até o fundo mais fundo do poço das minhas sensações.

(...)
 


Mas um dia, acabou. Tentei, desesperada, que não acabasse. Mas acabou. Aqueles que me observavam de longe, riram em foram embora. E ELES!... Eles pegaram meus cacos, colaram sem jeito e com pena, tentaram compreender o que jamais poderiam entender, e usaram as máscaras de generosos e bonzinhos.

Eu bem sei que não adianta tentar explicar o que é isso, o ódio mortal de ser ajudada e socorrida justo por aqueles a quem você desprezou e traiu. Não, ninguém sabe. Preferia que eles morressem, queria vê-los sofrendo, entretanto eram justo eles que me ajudavam.

(...)

Penso nisso, e vejo como se estivesse completamente amarrada na frente de uma paisagem bucólica, onde não posso ir. Eu TENHO que gostar deles, você entende? TENHO que reconhecer o quanto me ajudaram, quando os odeio por isso. TENHO que aceitar o dinheiro, quando queria vê-los mendigando. TENHO que dizer que quero vê-los felizes, quando sonho com o sofrimento amargo de um por um. Porque existe no mundo gente assim, gente infernalmente boazinha, que faz tudo certinho, e que você tem OBRIGAÇÃO de gostar deles???

Queria nunca mais vê-los, poder destilar ódio contra essa gente que acha que sabe tudo, para quem tudo dá certo, de quem todo mundo gosta. Às vezes, quando este ódio parece que vai sufocar, eu me divirto em pregar-lhes pequenas peças, em exigir bobagens, pelo simples prazer de vê-los preocupados e ansiosos. Queria que uma vez, uma vez só que fosse, que eles sofressem um pouquinho de tudo o que eu sofri. E vê-los perder, aos caquinhos, aquela pose pedante de gente boazinha. E, quem sabe, sumissem da minha frente! Eu queria rir, explodir de rir, rir à exaustão, da cara deles, coitadinhos, tão bonzinhos!

(...)

Alimentei durante meses esse vazio, estas cordas que amarravam as mãos, os pés, a garganta. Eu ria um riso amargo, bebia muito sem me embriagar, porque o ódio me embriagava e me fazia feliz. E um dia... ah, luminoso dia!... Surgiu a oportunidade, a melhor dentre todas que já tinha havido.

E por mais uma noite, apaixonadamente, eu tentei – e consegui! -, fazê-los sofrer. De vez em quando, com prazer, observava a frustração deles, aquela dor quieta e angustiante que eu mesma aguentei tantos meses. Eu a reconheceria em qualquer lugar, porque durante tanto tempo, por causa DELES, também fui obrigada a carregar essa máscara da dor que não pode se mostrar. Nessa noite, eu era a luz, o espetáculo. Roubei a cena, o centro. Nesta noite. Nessa noite soltei todas as cordas, mergulhei naquela paisagem, sorvendo do doce prazer da vingança.

(...)


Eu sei que não adiante tentar explicar. Eles não mereciam, todos vão dizer, a vida inteira, eles não mereciam. Mas para mim, o problema não era este. Que me importa se eles mereciam ou não? EU merecia, por tudo o que eles me impediam de viver pelo simples fato de estarem ali, de saber, de ter me ajudado naquele momento em que deveria estar no auge, na glória, e não no fracasso abjeto a precisar de ajuda, e justo DELES.

Para mim, o problema é que você sabe, como eu sei, como eles souberam naquela noite, do meu ódio. Como uma nuvem, agora pesa em silêncio e solidão. Estou livre deles. Mas vazia. Tanto vivi deste amor e deste ódio, que agora só há o vazio.

(Elaine Novaes Falco, Confissões, 1998)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [3]

Tento disfarçar os olhos de desejo, a insegurança, o tremor no corpo cada vez que o vejo. Mas dificilmente consigo. Acabo tomando uma atitude, um pretexto qualquer, e mesmo sem saber se estou agindo certo ou errado, aproximo novamente. E brigamos, novamente.
Poucas pessoas, eu o apresentei. Amigos meus, a maioria, sequer sabe seu nome, ou que ele existe na minha vida. Ele é meu homem das sombras, de quem lembro cada milímetro do corpo, com quem partilhei prazer e os sonhos mais loucos, e ainda assim ele não foi mais que a sombra discreta e marcante, que ninguém viu direito, e que não consigo esquecer.
Há homens que compreendem mais que o corpo de uma mulher: compreendem sua essência. Presentes do destino, anjos noturnos para quem abrimos os braços, pernas, mentes e fantasias. Como um sonho. A noite o traz, a manhã o leva embora. Houvesse uma maneira de parar o tempo no passado, retê-lo ao meu lado, o faria indefinidamente.  Como prender um sonho? O amor que só faz sentido enquanto livre, deixa o gosto amargo de querer reter o que não existe, de uma liberdade frustrante.
Mesmo assim, ainda tento. Apenas para poder ver, mais uma vez, seus olhos, as idéias tão originais. Há nele aquele misto de solidão e orgulho que me fascina, sua mente alerta a cada gesto, cada imagem, a carência de quem tudo compreende, que dá vontade de proteger e de aninhar tudo aquilo que o faz distante, autoconfiante e alheio a tudo, exceto naqueles momentos...



Aqueles... momentos...




(Elaine Novaes Falco, Confissões, 1998)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [2]



Eu tinha alguém dentro de mim. Não era nada que pudesse ser explicado, mas era uma sensação estranha, que me acompanhava desde quando me sentia viva.
E eu me sentia viva há muito, muito tempo. Muito mais tempo do que aquele registrado nos documentos. Não havia muitos que aceitassem meu jeito. Sempre lia, bastante, procurando alguém que tivesse escrito que era como eu. Uma busca em que achei muitas explicações...
( explicações demais!)
... e nenhuma era completa. Havia vozes também...
(cuidado! Ela nos ouve!)
... mas nunca entendia direito o que elas queriam dizer. Porque eram muitas, e falavam todo o tempo. Por isso, não gostava dos lugares onde muitas pessoas pensavam e sentiam coisas diferentes, das multidões...
(fale mais alto. Me escute)
... porque as vozes da minha própria cabeça também falavam alto, e nesses momentos pensava que iria enlouquecer.
(preste atenção em tudo)
Nas festas, era comum me isolar. Bem no auge da bagunça, com todo mundo se divertindo, saía de mansinho...
(que bom! Você voltou!)
... e ficava tentando entender porque era assim, distante de tudo e de todos, como uma autista em seu mundinho particular.
(... medo? Vem, eu te conto uma história...)
Tentei ser normal, ou aquilo que eu achava que era normal. Anos a fio. Mas a sensação era a de estar representando em um teatro.
(você é um pouquinho de todos eles)
Não que fosse difícil. Eu entendia a todos, à minha volta, o que queriam, como eram, o que os fazia felizes. Eu só precisava querer, então entrava em sintonia, e se sentiam bem comigo.
Mas eu não me sentia bem, comigo.
Foi então que comecei a escrever.
No começo, não sabia bem o que queria. Acho que a vontade era divertir os outros, agradar, quem sabe ganhar dinheiro com isso. Era também uma forma de isolar a todos, entre canetas e papéis. Mas isso deixava gosto de sentimento de culpa. Se Deus...
(existe um deus? Porque deus significa culpa?)
... tinha dado a mim um dom para entender quem estava à minha volta, porque precisava me isolar?
(e se deus foi mulher? E se deus tiver família?)
Então, comecei a escrever a história das vozes. Não sei escrever direito, não gosto do jeito piegas com que, às vezes, distribuo idéias, e elas sempre parecem melhores quando estão só na minha imaginação.
(não destrua! Pode ser útil, um dia. Você vai querer rever...)
Realidade versus fantasia. A realidade parece irreal, a fantasia faz sentido. Foi em um daqueles finais de semana em que a gente procura coisas prá fazer, enquanto perguntamos porque fazer coisas que não se quer, que descobri o medo de ver, na realidade, aquilo que escrevia em fantasia...
(isso acontece. A energia está no ar)
... e por isso, não deixava a fantasia correr naturalmente. Eu a consertava, tal e qual fazia com a vida, sempre ajeitando as coisas pelo meio do caminho.
(... tanto trabalho a fazer...)
Se uma vez, uma vez só, conseguisse coragem para escrever o que realmente penso...
(haja coragem!)
... como quem faz uma regressão ao passado, afundando inconsciente na memória do tempo...
(quem tem medo do lobo mau?)
... poderia ver meus espelhos, as vozes que fazem parte de mim, as histórias de meus antepassados, entender e registrar parte das loucuras e das censuras de todos os tempos...
(será que não enlouqueceria?)
... então seria feliz.

(Confissões. Elaine Novaes Falco/1998)

CONFISSÕES [1]